segunda-feira, 28 de abril de 2014

CULTO À SEDIÇÃO




A América do Sul é um continente de sedições e seduções. Sedução pelas riquezas e pelo poder, e de sedições contra ambos. Desde sua descoberta foi o domínio da rebeldia e dos caudilhos. Tantos caudilhos quanto são os povoados da América Latina.  A América do Norte é o domínio da ordem. Ordem que quer impor a outros povos. Nos Estados Unidos  domina a organização e feriados sugestivos..Vale a pena dar uma olhada neles  na Internet .
O que é sedição? A palavra que vem do latim seditione e tem o mesmo significado que em português, ou seja, revolta contra autoridade constituída. È uma desobediência civil e só pode existir num Estado de direito. Não é por acaso que passou a ser usada apenas no século XVIII, quando ocorreram as grandes revoluções. O culto das revoltas na América ibérica é tanto que até as principais datas comemorativas são a elas dedicadas.
O mesmo ocorre no Brasil. A mais importante de suas sedições é comemorada no dia 21 de abril, o dia de Tiradentes, participante da chamada Inconfidência Mineira. Que nome mais esquisito para uma sedição. O que significa  mesmo inconfidência?    Diz o dicionário que é “Falta de fé ou de fidelidade para com alguém, especialmente para com o Estado ou o soberano.”. Os historiadores republicanos em falta de melhor movimento escolheram a referida conjuração como símbolo da liberdade.
Os brasileiros que são tão pacíficos comemoram várias revoltas, em seus feriados principais. Lembro alguns: a Proclamação da Republica, o 20 de setembro e a Revolução Paulista, todas elas sedições. A Proclamação da Republica foi não um golpe (pois o imperador não era eleito) nem revolução (pois pouco mudou). Foi isso sim uma revolta de um grupo de militares e de civis contra o regime imperial, que depôs o Imperador Dom Pedro II. Foi uma sedição que deu certo.
Já a chamada Revolução Farroupilha não foi nem farrapos, nem revolução. Não foram farrapos, pois seus lideres eram os maiores fazendeiros do Sul, nem revolução, pois não acarretou qualquer mudança. Ao terminar, tudo “continuou como dantes no quartel de Abrantes”. Em São Paulo a maior efeméride se comemora em 9 de julho, inicio da Revolução Constitucionalista Paulista de 1932, que não foi nem revolução nem constitucional. Não foi revolução, pois apenas pretendia retomar o poder de São Paulo sobre o Brasil que tinha sido usurpado por Vargas na Revolução de 30 (que também não foi revolução, mas golpe), que depôs Júlio Prestes.

Qualquer dia no Brasil vai ser comemorado as assim chamadas Jornadas de Junho (de 2013), que tiveram máscara de Guy Fawkes como símbolo.. A máscara poderia ser usada na nova bandeira revolucionária. Viva a América  e suas sedições!

sexta-feira, 18 de abril de 2014

FILHAS




            Há vinte anos minha amiga Dolaimes Stedile sugeriu que fizéssemos uma pesquisa sobre as injustiças que as filhas tem sofrido nas empresas de seus pais, tanto  na divisão dos bens e  como nas atribuições de poderes. Poucos anos depois ela morreu. Fiquei devendo  a pesquisa para ela, pois o tema é muito delicado e de difícil comprovação. Mas todos os meses de março eu me lembro dela, da sua simpatia irradiante e de sua proposta. Mas eu pergunto “Quem vai reconhecer que preteriu suas filhas capazes em favor de seus filhos incapazes?” Ninguém. Além do mais hão  direito  sobre heranças que de certa forma pode minimizar as diferenças.
A injustiça  com as mulheres não é algo novo, começa na colônia Os colonos poderiam dar aulas sobre as formas de fraudar  as filhas nas  partilhas de seus bens. Delas foram retirados os direitos à terra sob os mais diversos pretextos. Creio que há poucas regiões no mundo onde as filhas foram  exploradas mais  do que nessa região. Até o nascimento de filhas era motivo de  tristeza de desilusão dos pais  , já que esperavam  um braço forte para o trabalho na colônia.Pretensamente as mulheres tem menos força que os homens e são tradicionalmente conhecidas como sexo frágil. Sexo frágil que aguenta a maternidade e todas suas decorrências e ainda vive bem mais tempo que o chamado sexo forte.
Antigamente não havia dia da mulher, foi só em 1975 que a Assembleia da ONU decretou o dia oito de março como  Dia Internacional da Mulher. A existência de um dia da mulher (como o Dia do Índio)revela toda a dominação e toda a subordinação da mulher a que ela é submetida  na sociedade machista.Os homens  repetem os velhos procedimentos de antigamente que tentam retirar da mulher seus direitos e seu poder de autodeterminação.
Conheço casos incríveis de exploração de filha tanto na colônia como na cidade. Um dos casos que me vem a lembrança é o de Lourdes uma menina de quatorze anos entregue por seus pais pobres que viviam em Esteio  a uma patroa cruel de Caxias. Lourdes trabalhava da manhã a noite sem direito a estudo e a descanso semanal. Em contra partida seus pais recebiam seu misero salário para continuar vivendo. Essa é uma forma de escravidão chamada no instituto da escravidão  de escravo de ganho. Ou seja, o trabalho de alguém  é alugado à terceiros, mas quem recebe o salário não é o trabalhador  mas o seu dono. Lourdes sofria da dupla exploração o  da patroa e a de seus pais.No entanto vivia alegre .Ainda bem que teve sorte e se casou e foi feliz. Há muitos outros casos como os de Lourdes e algum dia os  contarei .
Como bem observa George Bernard ShawA escravatura humana atingiu o seu ponto culminante na nossa época sob a forma do trabalho livremente assalariado.” Coisa bem antiga o que levou Diderot a afirmar Ter escravos não é nada, mas o que se torna intolerável é ter escravos chamando-lhes cidadãos.”

Loraine Slomp Giron Historiadora

sábado, 5 de abril de 2014

1964: UM BALANÇO


 


O que uma ditadura traz como resultados? Acompanhar os resultados de um fato vivido não é a mesma coisa do que estuda-lo em documentos esparsos, séculos depois. Há o cheiro, a cor e os sentimentos que vem à memória quando deles nos lembramos. Ver é muito diferente do que imaginar, é a um tempo mais cruel e mais diluído. Mais cruel porque se acompanha dia a dia o desenrolar de algo que não se sabe para onde vai mais diluído, pois mistura a vida cotidiana com seus problemas particulares e comezinhos ao evento, e esses de certa forma obscurecem a interpretação do presente.. Lembrar tem sempre um lado subjetivo e particular. O informante dos militares, o encarregado de entregar os colegas, tem uma visão bem diversa daquele que é entregue. Vítimas e algozes não têm pontos de vista comuns.
Enfim o que resultou dos 24 anos de ditadura?Em primeiro lugar foram às mortes dos ‘inimigos do poder’, que ceifaram vidas recém-iniciadas cujo número é incerto. Os dados oficiais não contam os desdobramentos particulares das torturas e do terror. Quantos suicídios seguiram as torturas? Foram perdas insuperáveis e desconhecidas, tanto familiares como políticas. . Lideranças indiscutíveis foram perdidas para sempre, basta lembrar Goulart, Juscelino e Lacerda.
Em segundo lugar as cassações que afastaram da ação as mentes mais brilhantes do executivo e do legislativo. Ao se calarem as vozes da oposição esvaziaram- se as discussões e as que restaram se renderam ao pensamento único. Muitos dos ‘opositores’ que continuaram na política estavam intimamente ligados aos interesses do golpe Há nomes inacreditáveis que colaboram com o golpe (Veja Dreyfus). Lendo tais nomes, eu não pude acreditar, ainda que com provas. Tais políticos continuaram e alguns continuam na política com sua dupla face, a um tempo democrata e a um tempo defensor do arbítrio. São os hipócritas da política,creio que esse foi a principal consequência do Golpe.
Em terceiro lugar a abertura definitiva do Brasil aos interesses do capitalismo internacional, ou seja, uma mudança de modelo econômico. O nacionalismo foi substituído pela abertura do mercado e a integração ao FMI. (Veja FHC)  Que foi acompanhada por uma faxina total nas conquistas históricas dos trabalhadores, consideradas então  como entulho democrático. Quem se lembra da estabilidade do emprego após dez anos de serviço? Quem se lembra dos direitos à greve? Quem se lembra do salário mínimo real (que previa saúde, educação e até lazer) e não esse simulacro que vigora hoje?  Enfim, quem se lembra do que o Brasil perdeu em avanços democráticos.
Em quarto lugar a formação de uma juventude sem princípios e sem ideias que acreditam em quase  tudo que é dito e escrito. Fruto de uma educação linear e não crítica. Cujo deus é a internet. Creio que essa foi a mais séria das consequências de 64. Como diz Kant “O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele”. Duro não é?
Loraine Slomp Giron Historiadora