sábado, 18 de abril de 2015

FILHAS (4)





Quem viu o filme Filomena encontrará na história que segue uma estreita ligação com a jovem, que foi separada à força de seu filho.   Quem enviou a pequena saga que resume bem a situação da mulher na região foi a leitora amiga Arlete Kemft. Conta ela que uma jovem de dezessete anos engravidou, vivia no interior de Bento Gonçalves. .Por não ter marido foi expulsa pela família e enviada à Santa Casa Misericórdia de Porto Alegre. Tudo organizado pelo pároco da cidade. Lá ela trabalhou e teve seu filho. Conta Arlete: “embora a roda dos expostos há muito tinha sido abolida na Santa Casa, a instituição continuava sendo um ponto de intermediação para jovens desgraçadas que não podiam criar os filhos espúrios e casais inférteis, interessados em adotar bebês.”.
Um casal informado do nascimento da criança se apresentou para busca-la. O menino foi registrado (houve muitos casos) como seu filho legitimo casal. “Mal tinha nascido o menino franzino, foi tirado dos braços da jovem mãe. Ela chorou e sofreu muito, mas nada podia fazer.” O menino era muito fraco e sofreu pela ausência do leite materno, por pouco não morreu.
 Arlete informa: “Ele era meu ‘primo’, tínhamos nascido no ano de 1951, brincamos juntos uns bons anos de nossa infância. Logo que tive noção das coisas, fiquei sabendo que não era filho dessa minha "tia-avó" e de seu marido. Aliás, toda a comunidade sabia, acredito que com o passar dos anos, na escola, até meu "primo" ficou sabendo”. Ele sempre se deu bem com os pais adotivos.
   Só no fim da vida é que a mãe revelou ao filho a sua origem e da sua adoção, dizendo enfim o nome da sua mãe biológica.  Depois da morte da mãe adotiva e ele começou buscar sua mãe.  Na Santa Casa, só conseguiu informações após ação judicial, mas nada conseguiu saber sobre a mãe. Depois desistiu.Finalmente,há quatro anos, já sexagenário  por acaso se encontrou com ela , então com quase oitenta anos. Assim ao contrario do filme Filomena no qual mãe e filho haviam se procurado inutilmente, enfim se encontraram. Ele ficou sabendo da vida de sua mãe, que se empregara na casa de um alto funcionário público em Porto Alegre, onde foi babá e doméstica, por longos anos. Casou-se com um viúvo, com seis filhos, ajudando a cria-los. Ao casar trocou de sobrenome, mudando-se para outra cidade.

Mas a história não acaba se repete muitas e muitas vezes. Acontece que as relações que se estabelecem entre mãe e filho são profundos, ultrapassam os sentimentos esse entranham no ser.  Geneticistas do Centro Médico de Boston (Nova Inglaterra, USA) descobriram que as mães mantêm no organismo, durante décadas, cromossomos que escaparam do feto do filho, durante a gravidez. Os  cromossomos Y que existem no sangue materno pertencem ao filho. A descoberta revela que a separação entre ambos nunca ocorre. As células dos filhos de certa forma continuam vivendo em suas mães. A prática de separar à força mães e filhos gera uma perda que nunca é superada. Histórias como esta só servem para comprovar o fato!

domingo, 12 de abril de 2015

DA PAIXÃO






Há palavras que representam fatos. O costume faz com que sejam repetidas remetendo seu sentido a ele, e não a sua origem. Ninguém pensa em Paixão de Cristo a não ser em seu sofrimento e morte. No entanto a palavra que designa a não corresponde ao fato. São estranhos os caminhos que seguem as palavras desde sua origem até o seu significado atual. Basta pensar em algumas delas, virtual, por exemplo, que deriva de virtude e hoje significa o mundo que se processa e existe dentro de um computador. Mais estranha é a origem da palavra paixão. Deriva de pati do latim sofrer, suportar’ e do grego pathe, ‘sentir’. Logo passio  poderia significar  “sofrimento,ou o ato de suportar”.Muitos séculos depois, pelo século XIV,  seu sentido mudou e se transformou em desejo ,emoção ou sentimento violento.Por exemplo o amor extremado de Romeu e Julieta.   Hoje pode ainda representar “entusiasmo, grande apreço, predileção”.Por exemplo paixão por carros. Na religião católica a palavra  paixão tem outro denotativo,ou seja as torturas que Cristo sofreu em seu martírio.
Faço um desvio. Antes de falar da Paixão de Cristo, falo de minha paixão por leitura. Desde os quatro anos sou leitora voraz. Lia e leio de tudo que me cai nas mãos. Lia de tudo desde as Seleções de Reader’s Digest, o Almanaque do Tico-Tico, a Enciclopédia Jackson ,o Mundo Pitoresco, o Tesouro da Juventude,  os romances do Clube do Livro que minha mãe assinava.Dá para imaginar a confusão que ocorria em minha cabeça .
Havia na década de quarenta,no Colégio São José um costume que eu adorava ,chamava-se retiro. Durante três dias as aulas eram suspensas e a conversa era proibida, havia palestras sobre a vida de Cristo e de santos, havia leituras de suas vidas e de suas paixões. Li todos os livros que havia. Sofria tanto com os sofrimentos de Cristo e dos santos que chorava desabaladamente. Eram aulas de sadismo. Iam desde arrancar os olhos de Santa Cecília até o esfolamento de São Jerônimo. Eu sofria muito com as dores da paixão de todos santos .Achava que todos aqueles sofrimentos malucos derivavam do louco amor dos santos por Deus. Fiquei marcada para sempre por aquelas leituras. 
Na minha ingenuidade queria imitar Cristo. Queria, porque queria ser crucificada. Havia em minha casa um livrinho chamado Imitação de Cristo, li também ele, mas não ensinava como se crucificar. Mas pelo menos dizia que “Não há salvação da alma nem esperança da vida, senão na cruz”. Assim valia a pena se crucificar. Falei com meu primo para nos crucificarmos, mas ele me disse que eu devia ser louca e que fosse procurasse outro maluco como eu. Desisti de vez!
  Com o tempo, deixei de lado esse tipo de fé ingênua, passei a estudar. Cristo suas dores e sua paixão ficaram distantes de mim. Percebi então que havia no mundo muitos e muitos cristos que sofriam tanto ou mais do que ele. Entendi que para sofrer, não é preciso se pregar na cruz. Afinal, a vida é a cruz, ela encarrega de fazê-lo!