Há
palavras que representam fatos. O costume faz com que sejam repetidas remetendo
seu sentido a ele, e não a sua origem. Ninguém pensa em Paixão de Cristo a não
ser em seu sofrimento e morte. No entanto a palavra que designa a não
corresponde ao fato. São estranhos
os caminhos que seguem as palavras desde sua origem até o seu significado
atual. Basta pensar em algumas delas, virtual, por exemplo, que deriva de
virtude e hoje significa o mundo que se processa e existe dentro de um
computador. Mais estranha é a origem da palavra paixão. Deriva de pati do latim ’sofrer, suportar’ e do grego pathe,
‘sentir’. Logo passio poderia
significar “sofrimento,ou o ato de
suportar”.Muitos séculos depois, pelo século XIV, seu sentido mudou e se transformou em desejo
,emoção ou sentimento violento.Por exemplo o amor extremado de Romeu e
Julieta. Hoje pode ainda representar “entusiasmo,
grande apreço, predileção”.Por exemplo paixão por carros. Na religião católica
a palavra paixão tem outro denotativo,ou
seja as torturas que Cristo sofreu em seu martírio.
Faço um desvio. Antes de falar da Paixão de
Cristo, falo de minha paixão por leitura. Desde os quatro anos sou leitora voraz.
Lia e leio de tudo que me cai nas mãos. Lia de tudo desde as Seleções de
Reader’s Digest, o Almanaque do Tico-Tico, a Enciclopédia Jackson ,o Mundo
Pitoresco, o Tesouro da Juventude, os
romances do Clube do Livro que minha mãe assinava.Dá para imaginar a confusão
que ocorria em minha cabeça .
Havia na década de quarenta,no Colégio São José
um costume que eu adorava ,chamava-se retiro. Durante três dias as aulas eram
suspensas e a conversa era proibida, havia palestras sobre a vida de Cristo e
de santos, havia leituras de suas vidas e de suas paixões. Li todos os livros
que havia. Sofria tanto com os sofrimentos de Cristo e dos santos que chorava
desabaladamente. Eram aulas de sadismo. Iam desde arrancar os olhos de Santa
Cecília até o esfolamento de São Jerônimo. Eu sofria muito com as dores da
paixão de todos santos .Achava que todos aqueles sofrimentos malucos derivavam
do louco amor dos santos por Deus. Fiquei marcada para sempre por aquelas leituras.
Na minha ingenuidade queria imitar Cristo. Queria,
porque queria ser crucificada. Havia em minha casa um livrinho chamado Imitação
de Cristo, li também ele, mas não ensinava como se crucificar. Mas pelo menos
dizia que “Não há salvação da alma nem esperança da vida, senão
na cruz”. Assim valia a pena se
crucificar. Falei com meu primo para nos crucificarmos, mas ele me disse que eu
devia ser louca e que fosse procurasse outro maluco como eu. Desisti de vez!
Com o tempo, deixei de lado esse tipo de fé
ingênua, passei a estudar. Cristo suas dores e sua paixão ficaram distantes de
mim. Percebi então que havia no mundo muitos e muitos cristos que sofriam tanto
ou mais do que ele. Entendi que para sofrer, não é preciso se pregar na cruz.
Afinal, a vida é a cruz, ela encarrega de fazê-lo!
Nenhum comentário:
Postar um comentário