sábado, 22 de fevereiro de 2014

ENFIM, A FESTA!




Tem inicio mais uma Festa da Uva, será mesmo a 30ª? Assisti parte de todas, desde 1950. Lembro-me da primeira após a Guerra, realizada em pavilhões de madeira construídos na Rua 20 de Setembro (onde hoje está o Záfari). Havia ali um grande descampado que ia até o campo do Juventude.Do lado direito  ficava a Madeireira Caxiense(hoje o Big). O prédio bem era bem ao gosto da arquitetura funcional de então. Havia no lado de fora um grande palco onde se apresentavam artistas famosos, o mais importante deles então foi Pedro Raimundo. Assistia-se aos shows de pé, seu preço estava incluído no ingresso.
A década de cinquenta, por outro lado, marcou o inicio da força da indústria regional. O comércio era pífio e a agricultura algo esquecido. A colônia e as uvas só eram lembradas numa pequena exposição, mas delas pouco se falava. A cidade virava as costas para a colônia. Como se a uva viesse em pacotes prontos e os colonos fossem seres a serem escondidos. Os luxuosos carros do desfile estavam mais para as mil e uma noites do que para a cultura regional.
De 1954 a

1975 as festas se sucederam com espaços cada vez menores para as uvas e cada vez maiores para a indústria. Em 1975 aconteceu o Centenário da Imigração Italiana para o RS, foi então que se deu a virada. Os imigrantes passaram a ser o centro das atenções como imagem e como desfile .Mas os colonos verdadeiros  continuavam escondidos. Guiavam os tratores e os carros dos distritos, figuras menores da cena festiva. Com a criação da empresa de direito privado Festa da Uva Turismo e empreendimentos. Tudo mudou. Mudou a imagem, a forma e até a numeração. Mais do que tudo a Festa se tornou uma mercadoria ser vendida para as empresas de turismo.
Como empresa deixou de ser uma festa comunitária e se tornou como bem diz seu nome um empreendimento, ou seja, mais um negócio. Para que um negócio de certo é preciso lucro. O que dá lucro? Vendas. Assim o comércio tomou o lugar das indústrias na exposição. A Festa da Uva vergonhosamente se tornou uma feira livre de pequenos negócios. Para aumentar o consumo começaram a distribuir uvas. Ao pequeno comércio se juntou a grande imundície. Horrível! A feira virou um camelódromo com maior número de bancas possível que vendiam  produtos que nada tinham a ver com Festa nem com cultura regional. Uma feira do pseudo artesanato.
Chegara a hora dos serviços. Aos poucos as coisas começaram a mudar. Creio que foi em 2000, que a colônia entrou enfim nos pavilhões, com seus produtos e seu modo de ser. A crise econômica reduziu a participação das indústrias e aumentou a dos distritos. Mas A Festa da Uva ainda assim está longe de ser uma festa comunitária. Esse tempo pelo visto passou para sempre .Eram outros os tempos, outros os homens e outras as festas. Tudo muda e a Festa também mudou.  Como já disse Shakespeare “Lembrar é fácil para quem tem memória. Esquecer é difícil para quem tem coração.” Enfim, o que fazer?
Loraine Slomp Giron Historiadora


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

ARTE ESQUECIDA


Antigamente (nem tão assim) as pessoas falavam. Falar era um dos passatempos favoritos. Poderia ser reclamar, elogiar, brigar e fofocar. Era uma sociedade nominalista ,onde tudo era verbalizado. E como!Como só havia rádio as novelas eram faladas. Assim mocinhos e mocinhas tinham belas vozes e os malvados pavorosas. Era não só a era do rádio, era a era da fala.
Uma das artes principais de então era a de contar histórias  (ou causos).As visitas em geral eram sempre bem vindas,pois novas histórias seriam contadas, da vida cotidiana. Dos vizinhos, dos seus mal e bem feitos, tudo era transformado em palavras. Algumas eram historias deliciosas, outras escabrosas e havia as de terror. Dessas que ainda me lembro.
Havia contadoras de história notáveis lembro-me de duas a Baixinha e a Cegonha. A Baixinha era do campo suas histórias eram sempre engraçadas (ainda que trágicas) contadas com aquela forma particular dos gaúchos onde as coisas têm alma e movimento. Dona Iraci dos Reis era a rainha dos causos. Neles as coisas eram mais vivas que as pessoas. Ela chegava na hora do chá ( em casa havia esse costume) em geral servido as quatro horas, com tudo que havia de bom  em casa.Aquilo que  no  campo chamam de mistura. Depois do chá vinham as histórias. Sempre começadas assim “Será que já contei a historia da Zuleide?” Logo saia uma sátira deliciosa, ao contar a história seus olhos se iluminavam. Eram crônicas do campo. Pena que não as recolhi, apenas as usufrui. Eram a um tempo tétricas, fesceninas e muito engraçadas.
Já a Cegonha como era conhecida Dona Clélia Sebben,parteira e comadre de minha mãe era de Milão,  serviu na Grande Guerra (1914-1918), como enfermeira . Era tão morena que parecia mais africana  do que italiana. Suas histórias eram diferentes das da Baixinha. Eram ligadas à procriação e ao sexo, sabia dos segredos de muitos e as contava num português tão carregado de erres e zes,que parecia outra língua. A Cegonha baixava a voz e desfiava longas e escabrosas histórias de incestos e de sexo. Era a crônica dos desvios morais da colônia. Depois de ouvi-la ficava difícil acreditar na santidade dos imigrantes.
Havia muitas outras cronistas de seu tempo entre as quais havia a Dona Nair Cesa, que contava coisas do campo, (sob a ótica da colônia), pois, lá  viveu muito tempo. Mas havia muitas outras mestras na arte de contar histórias. Não sei se o costume continua no campo e na colônia.  Hoje, na cidade as pessoas tem menos tempo  e  vagar para ouvir histórias De certa foram as novelas da TV de certa forma as substituíram. Nas são longas e tediosas.

Nessa coluna tentei me basear na forma como eram contadas as velhas histórias. Com um enredo claro e com um final moral, usando palavras simples. Como as antigas fábulas que nada mai.  Hoje, na cidade  as pessoas tem menos tempo  e  vagar para ouvir histórias s são do que historias do passado.  Elas conseguem o impossível  simplificar o complexo e enriquecer o insosso.Mas a velha  arte é difícil de ser imitada!

sábado, 8 de fevereiro de 2014

CENTRAL PARK


















Cada lugar tem o parque que merece, Nova Iorque tem o Central Park, Caxias tem o Parque dos Macaquinhos. Aquele criado pela mão do homem, em 1857,esse apenas transformado pela sua ação, em 1954. O Central Park ocupa 341 hectares de matas, lagos e passeios, já o Parque dos Macaquinhos tem 9,2 hectares, ou seja, é cerca de 40 vezes menor do que aquele.  Afinal, em Manhattan vivem cerca de 8 milhões de habitantes e em Caxias cerca de 400 mil; sendo 200 vezes menor. Assim nosso Central Park é proporcionalmente maior ao de Nova Iorque. (Nada como ser bairrista.)
O Parque dos Macaquinhos eu o conheço há setenta anos. Tinha então outro nome era chamado de mato do Giuriollo. Quando criança escorregava pela encosta onde hoje está a Delegacia de Polícia. E íamos brincar nas nascentes de água do terreno, coberto por mata fechada. Nele ficava o primeiro reservatório de água da pequena cidade de então, Era uma aventura. Havia na mata algumas casinhas de madeira que não sei a quem pertenciam. O terreno nunca foi cultivado. As arvores e os cipós cresciam à vontade. Nem pequenas roças havia perto das casas. Era a mata virgem a duas quadras da Praça. Beirando a mata havia a Rua das Cabritas (hoje Os Dezoito do Forte) onde viviam os carreteiros da cidade. Ao fundo (onde está a Prefeitura) era parte da chácara Eberle, da qual a Rua Alfredo Chaves fazia parte, onde foi construído o campo de futebol do Fluminense time da Metalúrgica Abramo Eberle
Em, 1954 foi construído o Pavilhão da Festa da Uva (atual Prefeitura) também o Parque dos Macaquinhos foi inaugurado.  .O Parque foi cortado por ruas pavimentadas com paralelepípedos. Nele havia duas represas, interligadas por uma pequena cascata. No centro da primeira represa (situada próxima à Rua Alfredo Chaves) foi construída uma ilhota onde foram colocados alguns macacos. Os macacos tinham uma casa e alguns brinquedos para sua diversão. Foram os macaquinhos que deram o nome popular e definitivo ao local
Em 1974 foi feita a mudança da Prefeitura do atual Museu para os pavilhões antigos da Festa da Uva, que ganhou então o novo espaço. Foi então que construído um ginásio (uma excrescência) no Parque e aterrados os açudes e sumidos os macaquinhos. O Ginásio era péssimo, frio, sem som e sem beleza (uma das várias revitalizações)! Tão péssimo que um dia literalmente tombou e, então a maioria da população se alegrou. Seu nome era Pedro Carneiro Pereira. Quem se lembra dele?
Com o tempo algumas ruelas do Parque foram asfaltadas e logo a água começou a se acumular no fundo do vale. Outra revitalização da administração popular previu a construção de cascatas e de bacias com água corrente, que agora já não funcionam. Na administração passada foi inaugurado um Slack Park dentro do Parque, que tem uma frequência de usuários que dá até gosto de ver. Como os nova-iorquinos aproveitem nosso Central Parque. Especialmente num verão feroz como o atual, que parece ter condenado  os caxienses à insônia.

Loraine Slomp Giron Historiadora 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

FIDÉLIA

Na Caxias antiga os homens mandavam. Enquanto  na colônia as mulheres tinham função e poder, na cidade as mulheres  tinham apenas a  função da reprodução e  o trabalho do lar. Quando a idade fértil passava, as empregadas faziam o trabalho  e os filhos cresciam, para elas nada restava .Havia apenas  a síndrome do ninho vazio.Em geral recolhiam-se à suas casas, saindo apenas para ir a igreja.Naqueles tempos o luto era comum. As mulheres se vestiam de preto e os homens usavam apenas uma fita negra na manga, chamada de fumo.  Até no luto havia discriminação! Como sempre havia mortes nas famílias, as mulheres mais velhas viviam em eterno luto.
Enquanto elas murchavam e sofriam com a solidão ,eles saiam cada vez mais. Os ricos fechavam os cabarés (prostíbulos) e davam grandes festas. Mantinham jovens (teudas e manteudas) e passavam dias e noites com elas. Hoje isso já não acontece. (será mesmo?) Por outro lado as saídas tinham que ser protegidas por belas desculpas e havia muitas. Para os homens maduros o jogo de cartas era a melhor delas, tanto para as saídas como para os gastos. Mas havia outras desculpas: viagens de negócios, reuniões tardias, enfim, um rosário de mentiras.
Um vizinho, ao chegar à idade do lobo, (quando os conflitos da meia idade são amenizados pelas aventuras) tinha encontros diários com o com ‘jogo’. Todas as madrugadas podia-se ver estacionando o carro, depois das noitadas. Sua mulher era um anjo, gentil, bonita e boa dona de casa, nunca reclamava das andanças noturnas do marido, que.segundo ela. tinha um só  defeito o jogo no Clube .
 Algum dia poderá ser feito um estudo dos verdadeiros cassinos, que funcionam nos clubes da cidade. Como o Clube ficava a menos de duas quadras da sua casa, ficava difícil justificar o uso do carro. Mas ele tinha suas desculpas, o frio, o calor e a bronquite, tudo servia. Seu vicio real não era o jogo ,mas uma  jovem cor de cuia ,com a qual passava as noites.Algumas vezes, os dois  frequentavam restaurantes e boates ( hoje baladas) longe do centro ,onde não eram  conhecidos.
Passados alguns anos, de muita alegria, numa bela noite, o vizinho morreu na cama de sua amada. A jovem apavorada chamou um taxi, ( ambulância não havia) para leva-lo ao Hospital .Então o caso  veio a luz. Foi um escândalo geral. Surgiram dezenas de explicações para a sua morte.
Só a esposa não se escandalizou, atribuiu às fofocas as versões para morte do marido. Como sempre, só ela acreditava na fidelidade do marido. Continuava  elogiando. Um dia uma vizinha mais atrevida resolveu comentar com ela a morte do marido, ela lhe deu uma resposta lapidar: ”Se ele me traia, não é motivo para que eu agora traia sua memória. “Portou-se como a deusa  romana  Fides .Irretocável!

Loriane Slomp Giron Historiadora.

CAMPO DEI BULGHARI




2007, em Beluno, no Museu da Emigração encontrei uma série de cartas de imigrantes, datadas de 1884, enviadas de Cassia (assim mesmo era grafado) para seus parentes belunenses. Eram cartas patéticas onde fica evidente a carência de quase tudo que grassava na região de imigração. Essas cartas posteriormente foram publicadas e organizadas. As cartas pediam um pouco de tudo, linhas para costurar, lã para tricotar, tecidos para fazer roupas. O Brasil, então, não produzia muitas miudezas, algumas delas eram importadas. Mas na colônia havia poucas lojas.
Mas o que interessa é a data 1884, quando Caxias já era distrito de São Sebastião do Cai e cujo nome já era Caxias, continuava para os imigrantes sendo o Campo dos Bugres. Esse foi o primeiro nome de Caxias, dado por Antonio Machado de Souza em 1864, numa viagem realizada p de Montenegro aos Campos de Cima da Serra. No sertão serrano encontrou uma clareira artificial feita pelos índios Ca águas (caingangues) dando nome de Campos dos Bugres a região que depois se tornou Caxias. De 1875 a 1884, a região foi loteada e vendida como lotes coloniais. Em 1877 , seu nome foi mudado para colônia Caxias,mas  muitos anos depois o primitivo nome  continuava presente no imaginário de seus habitantes.  Motivo pelo qual com ele ainda iniciavam suas cartas.
O ponto central da clareira corresponde a atual Praça Dante Marcucci, chamada pela população de Praça da Bandeira. Mas, antes disso teve outro nome .Em 1902, o intendente Campos Júnior em homenagem aos primitivos habitantes da região deu-lhe o nome de Praça Campos dos Bugres.Nosso edis em algum momento na década de 40 resolveram chama-la Praça da Bandeira e o primitivo  nome da cidade foi dado ao Aeroporto Regional (depois retirado) e hoje dá nome a um viaduto. Não sei poderia haver nome mais inadequado para tal construção medonha. Parece ser fácil mudar o nome de Campo Bugres, já que os índios não têm parentes importantes e são excluídos da sociedade assim nunca reclamam honrarias.
Fala-se em revitalizar a Praça da Bandeira, na verdade o que se pretende é um alargamento da Rua Moreira Cesar, entre as ruas Sinimbu e a Os 18 do Forte, para fazer um grande estacionamento. Na verdade em Caxias a palavra revitalização lembra destruição.  Lembro-me de outras revitalizações! Como lembro! Em geral não respeitam o passado e nem a origem do logradouro.Para revitalizar seria importante fazer uma pesquisa para verificar se houve um projeto para o antigo logradouro Campo dos Bugres. Quem sabe existe alguma planta perdida das várias reformas daquela Praça. Na documentação disponível na Internet não há dados sobre o assunto, nem nos antigos jornais da cidade. Resta apenas  João Spadari Adami ,em sua História de Caxias do Sul(1972) onde os dados sobre a Praça são poucos e baseados em memórias.Nem sempre seguras!Seria importante retomar o antigo nome da Praça e elaborar um memorial alusivo ao Campo dos Bugres e seus primitivos moradores.
Loraine Slomp Giron Historiadora