segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

ARTE ESQUECIDA


Antigamente (nem tão assim) as pessoas falavam. Falar era um dos passatempos favoritos. Poderia ser reclamar, elogiar, brigar e fofocar. Era uma sociedade nominalista ,onde tudo era verbalizado. E como!Como só havia rádio as novelas eram faladas. Assim mocinhos e mocinhas tinham belas vozes e os malvados pavorosas. Era não só a era do rádio, era a era da fala.
Uma das artes principais de então era a de contar histórias  (ou causos).As visitas em geral eram sempre bem vindas,pois novas histórias seriam contadas, da vida cotidiana. Dos vizinhos, dos seus mal e bem feitos, tudo era transformado em palavras. Algumas eram historias deliciosas, outras escabrosas e havia as de terror. Dessas que ainda me lembro.
Havia contadoras de história notáveis lembro-me de duas a Baixinha e a Cegonha. A Baixinha era do campo suas histórias eram sempre engraçadas (ainda que trágicas) contadas com aquela forma particular dos gaúchos onde as coisas têm alma e movimento. Dona Iraci dos Reis era a rainha dos causos. Neles as coisas eram mais vivas que as pessoas. Ela chegava na hora do chá ( em casa havia esse costume) em geral servido as quatro horas, com tudo que havia de bom  em casa.Aquilo que  no  campo chamam de mistura. Depois do chá vinham as histórias. Sempre começadas assim “Será que já contei a historia da Zuleide?” Logo saia uma sátira deliciosa, ao contar a história seus olhos se iluminavam. Eram crônicas do campo. Pena que não as recolhi, apenas as usufrui. Eram a um tempo tétricas, fesceninas e muito engraçadas.
Já a Cegonha como era conhecida Dona Clélia Sebben,parteira e comadre de minha mãe era de Milão,  serviu na Grande Guerra (1914-1918), como enfermeira . Era tão morena que parecia mais africana  do que italiana. Suas histórias eram diferentes das da Baixinha. Eram ligadas à procriação e ao sexo, sabia dos segredos de muitos e as contava num português tão carregado de erres e zes,que parecia outra língua. A Cegonha baixava a voz e desfiava longas e escabrosas histórias de incestos e de sexo. Era a crônica dos desvios morais da colônia. Depois de ouvi-la ficava difícil acreditar na santidade dos imigrantes.
Havia muitas outras cronistas de seu tempo entre as quais havia a Dona Nair Cesa, que contava coisas do campo, (sob a ótica da colônia), pois, lá  viveu muito tempo. Mas havia muitas outras mestras na arte de contar histórias. Não sei se o costume continua no campo e na colônia.  Hoje, na cidade as pessoas tem menos tempo  e  vagar para ouvir histórias De certa foram as novelas da TV de certa forma as substituíram. Nas são longas e tediosas.

Nessa coluna tentei me basear na forma como eram contadas as velhas histórias. Com um enredo claro e com um final moral, usando palavras simples. Como as antigas fábulas que nada mai.  Hoje, na cidade  as pessoas tem menos tempo  e  vagar para ouvir histórias s são do que historias do passado.  Elas conseguem o impossível  simplificar o complexo e enriquecer o insosso.Mas a velha  arte é difícil de ser imitada!

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