sábado, 28 de fevereiro de 2015

MULHERES & PASSADO







 Algumas vezes quando caminho pela cidade de manhã cedinho, não há ninguém nas ruas. É como andar numa cidade habitada por fantasmas, daí as lembranças afloram, com personagens que habitavam as mesmas ruas, em outras casas, em outros tempos.
Fiquei pensando em Zélia uma das grandes costureiras da cidade que morava logo ali na Montaury. Com muita idade se casou, tentou adotar uma filha, sem sucesso, ainda assim criou uma menina. Logo seu marido morreu. Como eram casados com comunhão de bens a família do marido lançou-se sobre o capital dela, que era grande e conseguiu se apossar da metade dele. Pouco sobrou da herança e Zélia morreu pobre e mal vestida. Para os vizinhos foi um tremendo choque. Coisas de famílias!
Lembro-me de Emilia vizinha de longa data, que vivia sozinha num casarão com uma velha empregada. A empregada cozinhava para ela e servia refeição na sala, onde a dona da casa almoçava sozinha. A empregada comia os restos da comida do dia anterior, sozinha na sacada dos fundos. Tal fato para nós colonos era motivo de espanto.  Ainda assim  morreu com fama de santa!  Coisa de escravocratas, por certo!
Dona Lenora era magra como um ponto de exclamação! Doceira reconhecida fazia as tortas melhores da cidade. Para nós caxienses de antigamente os bolos confeitados eram chamados de tortas. Famosa era a torta macron, feita com coco queimado. Pois dona Lenora era diabética e não podia comer doces. Até o fim de sua vida que foi longa nunca provou seus bolos maravilhosos! Todas as manhãs, vestida de preto da cabeça aos pés ia à missa. Eu pensava com meus botões que ela deveria rezar para conseguir forças para resistir à tentação de comer as delicias que fazia para vender Afinal era um sacrifício de Tântalo!
O marido de Fidélis tinha uma amante. Coisa comum que não merecia reparos. Falava-se que ela  já  não dormia com ele para não engravidar, assim ele tinha de procurar fora de casa o que não tinha dentro . Não é por nada que em tempos de dez filhos ela teve apenas uma. Afinal, não cumpria suas obrigações!Merecia as críticas?
 De Dona Veneranda (era esse mesmo seu nome) falava-se que não conseguia viver sem homem. O que era uma excrescência no nosso acanhado mundo.Assim quando seu marido morreu ela passou a utilizar os serviços dos  hospedes de seu hotel. Motivo pela qual era mal falada. Julgavam-na uma Messalina!
Era um universo feminino onde as histórias eram de mulheres sobre mulheres, os homens tinham papel de coadjuvante. Em geral não havia histórias sobre eles. Enfim como dizia Jorge Luiz Borges: “memória é o essencial, visto que a literatura está feita de sonhos e os sonhos fazem-se combinando recordações.” 
Ou como poetava Quintana:
O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.” Enfim, todos nós, somos feitos de passados!




sábado, 21 de fevereiro de 2015

SATURNALIAS & CARNAVAL





            Tanto os gregos quanto os romanos tinham algumas festas extremamente fesceninas. Ou seja, muito lascivas e licenciosas, enfim, eram festas eróticas. A mais libertina delas era saturnália. Na verdade era um festival que homenageava o deus  Saturno. Era realizada dos dias 17 a 25 de dezembro, o que correspondia ao solstício do inverno. Era um festival de mudanças de costumes, onde tudo era permitido e no qual era subvertida a ordem social. Onde escravos se tornavam senhores e estes podiam se tornar escravos. Os gregos também tinham suas festas orgásticas, entre elas as dedicadas a Dionísio, outro deus cultuado era Momo ,protetor da ironia e  da burla ( daí  festas burlescas) que seguia o cortejo de Baco. São esses os elementos que compõem a festa cristã do carne vale ( adeus à carne) que deram origem ao carnaval de hoje .Onde tudo é subvertido ,os homens se festem de mulheres e onde a luxuria corre solta.  Uma das festas móveis do calendário gregoriano. O carnaval parece uma festa para sempre!Para começar a quaresma quando durante quarenta dias  se fazia jejum e abstinência de carne, come çou a ser feita uma festa semelhante à saturnália para marcar o fim da alegria. O carnaval ganhou novas cores, mas as datas continuam as mesmas. O dia da Páscoa (ressurreição) marca a data do Carnaval. A data da Páscoa  foi decretada pelo  Concílio de Niceia (ano de 325),sendo  celebrada no domingo, que segue a primeira lua cheia do equinócio, quando tem no início a primavera, no hemisfério Norte.  Ocorre anualmente entre os dias 22 de março a 25 de abril.Quarenta sete  dias antes ocorre o carnaval ,que ocorre dos dias  de  01 de fevereiro a 8 de março.
As escolas de samba surgiram no final da década de 1920, organizadas pelos pobres da cidade do Rio de Janeiro. Muitos acreditam que a  ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945) manipulou ideologicamente as escolas de samba.O que não deixa de ter alguma verdade,pois  se tornaram subsidiadas pelo Estado . A ordem se tornou costume e hoje o Brasil tem o maior desfile de escolas de samba do mundo. Os blocos  de manifestação popular tem persistido em algumas cidades.
Em Caxias o Carnaval tem história. Nasceu ligado aos clubes e aos blocos que desfilavam pela noite. No inicio do século XX havia  o corso momesco com carros enfeitados  com flores e serpentinas,onde desfilava a Rainha do carnaval. Os blocos haviam morrido de todo, este ano houve pelo menos dois blocos nas ruas com grande animação: o da Velha e o da Ovelha.
 O Bloco da Velha completou cinco anos. Iniciativa da Livraria Arco da Velha e reuniu no domingo dia 15de fevereiro, jovens, velhos e crianças. Contando com  carro de som e banheiros,muita animação com pouco custo.Já as escolas de samba tem participação restrita aos associados com  verbas da Prefeitura. Desfilaram seis escolas na Rua Plácido de Castro, novo sambódromo local, para um público calculado em 35 mil pessoas. Como diz Drummond: “O povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval. São estas as suas duas fontes de sonho.” Quem não precisa de um pouco de sonho e de ilusão?Com ou sem brilho!
Loraine Slomp Giron historiadora



sábado, 14 de fevereiro de 2015

OSCAR &CONCURSOS












Cada concurso tem suas normas e suas regras. Cada um deles tem suas comissões organizadoras, classificatórias e seus jurados, para as várias etapas. Cada concurso tem sua pátria e seus donos Não há como negar que os donos dos concursos têm uma  ideologia e paradigmas. Ou seja, cada resultado de qualquer concurso  depende dos fatores citados e de tantos outros, como critérios de inclusão e de exclusão.Tanto no premio Nobel (Sueco) como no Oscar (Americano) existem  os citados elementos .
 Há ainda os interesses políticos que não podem ser esquecidos. Muitas vezes são eles que determinam os resultados, não importando a qualidade do produto. Assim há ganhadores do Nobel de Literatura cujo valor literário é pífio e  filmes ganhadores do Oscar que não pagam a pena ser vistos . Há ainda astros que tem tão pouco brilho cuja qualidade única é ser ganhador do premio.
 Em relação ao Oscar trata-se de vender filmes, no caso mercadorias, cujas qualidades são altamente discutíveis. Cito apenas um exemplo de um ganhador do Oscar que poucos curtiram, pois se trata de propaganda política, é o filme Guerra ao Terror (Bigelow,2010), cuja qualidade foi o premio concedido.
No próximo dia 22 de fevereiro haverá a entrega do Oscar, na 87ª cerimônia a ser realizada em Los Angeles. Por certo terá enorme audiência. Enquanto isso milhões de pessoas no mundo, buscam e buscarão as salas de cinema para assistir as mercadorias premiadas. O Oscar garante a hegemonia de Hollywood e ao mesmo tempo a manutenção da empresa cinematográfica Quem pensa em outros prêmios?  Sejam os dos festivais de Berlim ou de Cannes?
Vi grande parte dos filmes concorrentes. Garanto que há de tudo. Na verdade em relação ao Oscar há uma constante. Em geral o vencedor é um filme sobre superação de adversidades. Em geral os atores  ganhadores do Oscar são transformistas : um gordo  que se transforma num magro aidético , ou um magro que vira um gordo lutador.  Por este motivo as comédias nunca ganham  prêmios. Nem Charles Chaplin. O filme vencedor  desse ano deverá  ser (ou muito me engano), algo assim como Birdman, campeão das indicações. Bem ao gosto americano. Se  o critério for superação deverá ganhar o água com açúcar A teoria de tudo. Já o premio de melhor ator deveria ser de Benedict Cumbertatach, no papel de Alan Turing. Gostei de um filme que recebeu apenas duas indicações, trata-se de Selma um fragmento da luta de Martin Luther King Jr, na cidade do mesmo nome que o filme,situada no Alabama. Vale conferir.
Por falar em Oscar vale citar King Jr. “A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar.” Uma coisa  eu garanto, muitos filmes e  atores  são e  serão os injustiçados. Afinal a Academia não é infalível.
Loraine Slomp Giron Historiadora



terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

FILHAS (3)



Eu morro e não vejo tudo. Vivo e aprendo com fatos novos, nem sempre gratificantes. Elza nasceu no ano do inicio da Primeira Guerra. Era saudável e bonita, tinha 23 anos e ainda estava solteira.  Onde ela morava no interior de Caxias eram raros os possíveis noivos. Havia muitos viajantes. Na década de trinta, alguns viajantes se hospedavam na casa de comércio de seus pais, que oferecia pernoite. Foi assim que Elza conheceu um rapaz e por ele se apaixonou. Os viajantes eram famosos por seus muitos amores. Como os marinheiros tinham um amor em cada lugar.  Festejados por onde passavam, traziam as novidades de outros lugares, além de novos produtos.
Foi numa dessas visitas, não se sabe nem onde nem quando, que ela engravidou. O viajante sumiu e nunca mais voltou À gravidez se adiantou, impossibilitando o aborto. A descoberta de tal fato abalou a família. Esconder o estado da jovem era difícil numa localidade tão pequena,mas fechada em casa, completou o tempo de gestação. O nascimento foi uma superprodução. Parte da família levou a gestante para Santa Casa de Misericórdia, na capital, aonde deu a luz a um menino, que logo foi dado à adoção. Voltando para casa sem o filho, a jovem deve ter sofrido com desespero por ser obrigada a ficar separada dele. 
Logo os pais começaram a pensar no futuro de sua filha ‘desonrada’. O casamento com um motorista interessado na filha logo foi arranjado. As condições que não tinham dado ao neto deram-nas ao pretendente.  Logo se casaram e tiveram muitos filhos Do filho dado à adoção nunca mais se falou. Apenas alguns comentários esparsos davam a entender que algo de sério tinha ocorrido.
Fico pensando o que levou os avós da criança, católicos bons, a entregarem um neto de seu próprio sangue para outros criarem. Não era a falta de condições materiais, uma boca entre tantas não faria muita diferença. Era o medo do que os outros diriam. Era maior o temor do falatório, do que amor pela filha, condenada que foi ao sofrimento. Naqueles tempos a opinião dos outros era mais importante do que bondade.  Tal ação não impediu que os protagonistas morressem em odor de santidade.
O que fazer? A verdade é relativa como diz Nietzsche: “A verdade e a mentira são construções que decorrem da vida do rebanho e da linguagem que lhe corresponde. O homem do rebanho chama de verdade aquilo que o conserva no rebanho e chama de mentira aquilo que o ameaça e o exclui do rebanho.” Nada há o que julgar, os protagonistas dessa história (real) agiram de acordo com as normas do rebanho! 






SOBRE GUERRAS






O ano de 2015 marca o septuagésimo aniversário do fim da Segunda Guerra. Muitos livros tem sido escritos (e outros ainda serão) em busca de suas causas e de novos fatos ou velhos fatos reinterpretados. Foi assim no ano de 2014 que marcou o centenário do inicio da Primeira Guerra. Creio que não há muito a comemorar. Não é por nada que a Guerra tem sido o deus ex-machina do capitalismo. Os países que fazem a guerra conseguem pleno emprego e a sua economia sobe às alturas. Ao contrário do que acontece com os países que sofrem as guerras , para esses servem as palavras do filósofo Sartre:”Quando os ricos fazem a guerra,são sempre os pobres que morrem:”
O século XX foi um século malfadado. Um século curto no dizer de Hobsbawn, um século longo demais em crueldades, em minha opinião.   Tudo começou com a Primeira Grande Guerra (1914-1918), seguida da Guerra Civil Espanhola (1936-) e da Segunda (1939-1945) com toda a gama possível e imaginável de mortes, tortura e totalitarismos. Começando com Salazar em Portugal (1932-1968), com Franco (1936- 1975) na Espanha, Stalin (1922-1953) Mussolini (1922-1943) na Itália, Hitler (1933-1945) na Alemanha. Só para citar os maiores,mas há  muitos outros.
Não é possível calcular de forma exata o número de vítimas que as guerras e os regimes de terror espalharam pela Europa (e pelo mundo), um cálculo otimista revela que devem ter morrido cerca de 200 milhões de pessoas. Isso calculando 20 milhões na primeira Guerra, 120 milhões na Segunda, mais o Holocausto maior e os pequenos holocaustos nacionais.  Depois há quem reclame da Natureza, dos tsunamis e dos terremotos! Não há ser mais destrutivo que o homem em relação ao próprio homem. Além das Guerras não se pode esquecer-se da matança contra os inimigos.
Eu detesto as guerras e detesto falar do tema. Sejam quais forem às guerras e onde forem, e quais sejam suas as causas e suas bandeiras. Nasci pacifista. Exatamente porque sou um produto do século XX, o século que mais guerras teve.  Quem se lembra de outras guerras do século passado? Cito as maiores: a da Argélia, a do Sudeste Asiático a da Coréia, a do Vietnam, a de Biafra, a Guerra Fria e a Guerra dos 6 dias entre dezenas de outras menos conhecidas. Grande parte delas foram guerras de descolonização. Acham pouco?
 Enfim, cabe a pergunta: Quais são as causas das guerras e da violência? A resposta é simples: o controle do poder econômico e do poder político. O resto das causas são desculpas esfarrapadas. A Bíblia tem posição diferente sobre a Guerra. Jeová acredita na guerra. Cito de alguns versículos “Deus frequentemente ordenou que os israelitas fossem à guerra contra outras nações. Deus ordenou a pena de morte para diversos crimes. Então, Deus não é contra matar em todas as possíveis circunstâncias, mas apenas contra o assassinato premeditado. Em um mundo cheio de pessoas pecadoras a guerra é inevitável.” Eu prefiro Neruda quando diz: ”Os poetas odeiam o ódio e fazem guerra a guerra”.



IMIGRANTES ITALIANOS




Em 2015 completam-se 140 anos da chegada da imigração italiana ao Rio Grande do Sul. Na verdade é o aniversário da grande imigração subsidiada, e da fundação das colônias imperiais: Campo dos Bugres, Conde d’Eu e Dona Isabel, que deram origem a por seu desmembramento muitos municípios entre os quais: Caxias, Bento Gonçalves, Garibaldi, Farroupilha, Flores da Cunha entre outros.
Uma pergunta se impõe qual a importância desse fato? Minimizado por alguns e exagerado por outros, a imigração italiana é evento marcante na história gaucha. Júlio de Castilhos, um dos mais (será o mais?) importantes políticos gaúchos percebeu melhor do que ninguém a importância das colônias italianas, declarando que Caxias era a Pérola das Colônias. Melhorou e abriu a estradas ligando-as à Capital do Estado. Ele percebeu que a industrialização havia começado bem cedo no Rio Grande.
Nunca é demais destacar que muito antes da fundação da Companhia Siderúrgica Nacional (1942), a Metalúrgica Abramo Eberle já trabalhava com metalurgia e a siderurgia (desde 1896), fabricando até motores elétricos (1939). Tais fatos não se devem apenas a criatividade e a operosidade dos imigrantes italianos, mas à Revolução Industrial com a qual conviveram ,tendo trabalhado nas indústrias do norte da Itália, Alemanha, Áustria e Suíça antes de sua vinda para o Brasil. Tal fato gerou entre eles a necessidade de determinados produtos e propiciou o conhecimento que forneceu as bases da industrialização estadual e nacional. Os imigrantes italianos não eram mais inteligentes que os portugueses ou do que os alemães, apenas chegaram com um background que os outros imigrantes não tiveram. Mais atilados, sem dúvida!
Caxias pela sua industrialização precoce tornou-se um polo de atração para novos imigrantes da Itália e de outros países. O que é a imigração? Nada mais nada menos, do que o movimento da mão de obra de uma região que não tem trabalho para outro que tem. O movimento da mão de obra continua existindo em Caxias.  Decorre daí seu crescimento econômico e o crescimento do cinturão de miséria. Afinal os ricos não emigram apenas os pobres trabalhadores.
Um dos exemplos atuais é dos migrantes do Senegal e da Republica Dominicana, cujos países não fornecem emprego para o excedente de seus trabalhadores. O número de trabalhadores estrangeiros em trabalho formal no RS é de cerca de 4 mil, enquanto que São Paulo tem cerca de 40 mil.

A reclamação de alguns caxienses é exagerada, afinal de contas de onde eles vieram? Da Itália, da Portugal e de um sem número de países e regiões. A reclamação contra os novos imigrantes não teria apenas um caráter racista?Vamos combinar racismo é contravenção, mais do que isso é ingratidão!No nosso pequeno mundo há lugar para todos!”Certa está Madonna quando afirma:” A razão pela qual intolerância, sexismo, racismo, homofobia existem é o medo. As pessoas têm medo de seus próprios sentimentos,medo do desconhecido”!É isso ai mesmo!