terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

FILHAS (3)



Eu morro e não vejo tudo. Vivo e aprendo com fatos novos, nem sempre gratificantes. Elza nasceu no ano do inicio da Primeira Guerra. Era saudável e bonita, tinha 23 anos e ainda estava solteira.  Onde ela morava no interior de Caxias eram raros os possíveis noivos. Havia muitos viajantes. Na década de trinta, alguns viajantes se hospedavam na casa de comércio de seus pais, que oferecia pernoite. Foi assim que Elza conheceu um rapaz e por ele se apaixonou. Os viajantes eram famosos por seus muitos amores. Como os marinheiros tinham um amor em cada lugar.  Festejados por onde passavam, traziam as novidades de outros lugares, além de novos produtos.
Foi numa dessas visitas, não se sabe nem onde nem quando, que ela engravidou. O viajante sumiu e nunca mais voltou À gravidez se adiantou, impossibilitando o aborto. A descoberta de tal fato abalou a família. Esconder o estado da jovem era difícil numa localidade tão pequena,mas fechada em casa, completou o tempo de gestação. O nascimento foi uma superprodução. Parte da família levou a gestante para Santa Casa de Misericórdia, na capital, aonde deu a luz a um menino, que logo foi dado à adoção. Voltando para casa sem o filho, a jovem deve ter sofrido com desespero por ser obrigada a ficar separada dele. 
Logo os pais começaram a pensar no futuro de sua filha ‘desonrada’. O casamento com um motorista interessado na filha logo foi arranjado. As condições que não tinham dado ao neto deram-nas ao pretendente.  Logo se casaram e tiveram muitos filhos Do filho dado à adoção nunca mais se falou. Apenas alguns comentários esparsos davam a entender que algo de sério tinha ocorrido.
Fico pensando o que levou os avós da criança, católicos bons, a entregarem um neto de seu próprio sangue para outros criarem. Não era a falta de condições materiais, uma boca entre tantas não faria muita diferença. Era o medo do que os outros diriam. Era maior o temor do falatório, do que amor pela filha, condenada que foi ao sofrimento. Naqueles tempos a opinião dos outros era mais importante do que bondade.  Tal ação não impediu que os protagonistas morressem em odor de santidade.
O que fazer? A verdade é relativa como diz Nietzsche: “A verdade e a mentira são construções que decorrem da vida do rebanho e da linguagem que lhe corresponde. O homem do rebanho chama de verdade aquilo que o conserva no rebanho e chama de mentira aquilo que o ameaça e o exclui do rebanho.” Nada há o que julgar, os protagonistas dessa história (real) agiram de acordo com as normas do rebanho! 






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