sábado, 28 de março de 2015

PIERINA








  O nome Pierina  deriva de Piero ,mas não tem a mesma beleza do nome masculino,  apesar de pedra ser nome feminino.  Pierina seria o nome equivalente a Pedrinha em português. Ninguém se chama assim. Há apenas a  Pedrita  dos Flinstones.·.       
         Pierina trabalhava na horta da casa de meus pais na década de quarenta e de cinquenta. Não havia no centro de Caxias uma única casa sem horta, tinham ainda um poço e um galinheiro. Até o final da década de quarenta,  isso era comum. Mais tarde os poços foram fechados pela higiene e os galinheiros proibidos. Mas as hortas continuaram.
No terraço de minha casa tenho uma mini-horta com todos os temperos que uso na cozinha, seja manjericão, mangerona,  salsa, cebolinha, alecrim, orégano tomilho entre outros. Junto com as flores e as folhagens como as hortas de antigamente. Não sei viver sem os temperos verdes, coisas do passado, coisas  ensinadas por  Pierina.
Deveria estar próximo dos oitenta era gorda e corada. Ela era a  criatura mais gentil do mundo, tinha um modo de falar de criança, como se fosse uma menina de quinze anos. Falava em si mesma na terceira pessoa.Dizia ela ,por exemplo:” Poreta  Pierina   tan stanca de laorar.(pobre Pierina cansada de tanto trabalhar)  “Ou então :” Pierina  giovenetta non sapeva niente”(.Quando  jovenzinha Pierina não sabia de nada).
Ela tinha vindo de Milão na Itália com seus pais, que foram morar na 1ª Légua, em Nova Milano. Seu pai   Carlo Spinelli era mestre sapateiro  na Italia(Poreto  de mi pare chi era maestro calzolaio in Milano). Contava ela como seu pai estranhou o mato que não conhecia e a solidão das colônias,onde nem igreja ainda havia.Ele sentia saudades até dos sinos das igrejas, que aqui não se ouvia. Temia o barulho dos bugios e das aves, pois pensava que eram índios ou animais ferozes .Afinal era o ano de 1875.
Mais tarde foram morar em Nova Vicenza( Farroupilha)e abriram um armazém.Logo  se casou, com o marido vieram para Caxias onde abriram outro armazém.Não sei como  ela  teve apenas um  filho. Ela nunca falava de seus problemas ,apenas contava coisas do passado,enquanto capinava.Eu a  escutava muito atenta. Ela gostava de falar comigo.Com ela  o passado ficava tão colorido e bonito,ainda que  muito pobre .
Ela não me contou, mas fiquei sabendo pela minha  mãe, que sabia de todas as fofocas e casos da cidade inteira,que ela havia sido alijada da posse do armazém e da casa,por sua nora(que parecia sua filha de tão igual a ela) .Ela comprava suas coisinhas com o dinheiro recebido no trabalho da horta,que era o único que possuía. Muitas vezes trazia  Luiz, seu marido,para ajuda-la.   Nunca reclamava de nada.  Fiquei desde cedo consciente da ingratidão dos filhos,pelo que fizeram com  a  doce Pierina, o ser mais gentil e singelo que conheci. Para ela parece ter escrita a frase de Pessoa :”Pedras no caminho? Guardo-as todas .Um dia vou construir um castelo.”



segunda-feira, 23 de março de 2015

DO OUTONO






Hoje de manhã cedinho vi as primeiras folhas amarelas voando pelo chão. È o outono que chega! Acho o outono a mais bela das estações, pela luz e sombra, pelo grande contraste entre ambas. Pelas temperaturas amenas e por ser uma estação intermediária entre o extremo calor do verão e o frio do inverno. Tudo que é intermediário é agradável. Igual à áurea mediocridade dos gregos. No meio termo a sabedoria!
Os fatos desagradáveis se esquecem de acontecer no outono.  As plantas começam a adormecer e aprofundam suas raízes no solo úmido. Até as chuvas parecem mais doces. Caem devagar sem ruídos ou raios. Por outro lado o Sol aos poucos vai se deitando e seu calor se esfuma como as névoas matutinas. Tudo suave perfeito demais. Nem fatos históricos relevantes acontecem nesta estação. Basta fazer um pequeno levantamento. Quando ocorreram os grandes fatos históricos? No inverno e na primavera. Mas, foi no outono que aconteceu o Golpe de 1964 mais precisamente em1º de abril!
Esperando o outono, o movimento de domingo chegou bem organizado, com milhares de pessoas caminhando nas ruas das cidades contra o governo e contra a corrupção. Tal fato só poderia acontecer em tempos de democracia. Creio que foi o maior movimento até hoje realizado na cidade. Tudo muito democrático! Foi comovente ver os mais ricos desfilando e bradando contra a roubalheira. Antes eram apenas os mais pobres que gritavam nas ruas.  ! Em tempos férreos não haveria desfiles contra o governo, nem de ricos, nem de pobres.
 Por falar no movimento de domingo (águas de março) teve de tudo um pouco: cantores, animadores, fantasiados e até carro de som, seria por acaso da infraestrutura de alguma outra festa? Da sua organização participaram vários poderes  o  dirigente, o  dominante  e o hegemônico  unidos para o sucesso. Todos concorreram para o êxito da festa!Sem esquecer os amigos do Norte que  colaboraram e vibraram com os feitos destes  seletos brasileiros .
Lembro-me de Adam Smith, o padroeiro do liberalismo, que diz: é muito mais fácil organizar os patrões do que os operários, porque são em menor número e tem os mesmos objetivos. Esqueceu-se de dizer ainda que com bastante  dinheiro pode se organizar  golpes e passeatas !Foi ele que disse também que:A riqueza de uma nação se mede pela riqueza do povo e não pela riqueza dos príncipes.” Mas disso poucos se lembram e,pelo jeito ,muitos temem . 
Mas voltando ao outono, que deu origem à reflexão de hoje. Destaca-se que os mais duros filósofos e escritores a ele se rendem. Diz Camus :”Outono é outra primavera, cada folha uma flor.”  E Nietzsche :”Repara que o outono é mais estação da alma do que da natureza.” E por fim Baudelaire: “Eis que alcancei o outono de meu pensamento”. Infelizmente, poucos alcançam tal outono!
Loraine Slomp Giron  Historiadora


sábado, 14 de março de 2015

MAIS GOLPES?








 “Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi o povo e principalmente os humildes.” A carta testamento de Vargas é uma das melhores peças políticas produzidas no Brasil. Trata-se de um documento precioso que revela toda a ignomínia lançada sobre um inocente, e é sempre atual.
Ela poderia ser escrita pela atual Presidente, pois as forças que se articulam contra ela são as mesmas que mataram Vargas, destituíram Janio Quadros e depuseram João Goulart. Não há como negar que a história se repete e não  só como farsa.Repete-se também como golpe.  Mais uma vez no Brasil se tenta negar a legitimidade da escolha democrática, acusando a Presidente Dilma de corrupção e de tentar (com o PT) implantar o chavismo no Brasil. O Brasil é grande demais para ter a situação da Venezuela, importante demais para que se tente instalar uma ditadura presidencialista.
A Presidente tem errado. Parece ter esquecido seus ideais socialistas, tenta romper com uma política social em troca de uma política administrativa conservadora. Tem sido leniente com os desordeiros e com os caluniadores, que procuram desestabilizar a democracia e ataca-la de todos os modos. Mas tem tentado  tentar de todas as maneiras tornar governável o Brasil ainda que com alianças esdrúxulas no governo e no  Congresso.
Mas não é possível acusa-la de ser ilegítima no governo porque foi eleita de forma legal e insofismável pelos eleitores brasileiros! Não é possível acusa-la de corrupta, sem provas nem julgamento, que não tenho provas. Com tantas formas de corrupção, será que algum brasileiro nunca cometeu algum roubo, suborno, extorsão, fisiologismo, nepotismo, clientelismo ou  peculato? Mesmo os melhores cidadãos erram. Vituperar e fazer passeatas contra o governo não soluciona os problemas do Brasil que são inúmeros. Há mais do que fazer.
Os golpistas de plantão deveriam votar melhor para o Parlamento Nacional para que fosse garantido um governo incorrupto e transparente. Os amantes do golpe deveriam não apresentar soluções para os problemas brasileiros. Acusações sem provas não são solucionam problemas. Golpes de qualquer natureza contra a democracia apenas atentam contra a ordem e a paz.

Concordo com W. Churchill quando afirma: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. Termino com Vargas “Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma!” Cuidado, a democracia esta em perigo!

sábado, 7 de março de 2015

SOBRE IRMÃOS





Não existem seres mais próximos do que irmãos. Têm uma carga genética comum, e mais do que isso, uma formação e um passado. Falo de irmãos que nasceram e foram criados num mesmo grupo familiar. Há os que tiveram outra criação e família, e outros apesar de gêmeo criados separados. Há irmãos e irmãos.

Os norte americanos que adoram pesquisas científicas (mais do que viver) fizeram uma longa pesquisa sobre gêmeos idênticos criados em famílias diferentes e chegaram à conclusão que apesar de serem criados distantes um do outro cresceram com hábitos e costumes semelhantes. Para eles (não para mim) isso provou que a genética é mais forte que o social. Se isso fosse verdade todos os criminosos teriam irmãos criminosos ,fosse qual fosse sua criação.

Nem todos os irmãos são amigos. A Bíblia traz o primeiro exemplo de irmãos inimigos, nada como Caim e Abel. Basta lembrar  o que diz Aristóteles “As contendas e ódios mais cruéis são os dos irmãos, porque os que muito se amam muito se aborrecem .”Na verdade basta ter um interesse ( ainda que mesquinho) contrariado para que as disputas entre irmãos  se tornem catastróficas. Isso fica comprovado na divisão das heranças. Nada como o dinheiro para tornar irmãos inimigos mortais.

Na região colonial italiana há exemplos extraordinários. De como as irmãs foram preteridas pelos irmãos. Os filhos sempre tiveram vantagens sobre as filhas, lesadas na herança, como cidadãs de segunda categoria.

Lembrei-me de falar sobre irmãos, porque ouvi noticias sobre a disputa pelo local onde deve funcionar a Universidade Federal na região. Os municípios irmãos da região da colônia são inimigos históricos. Os  problemas são resultado de interesses contrariados e de questões históricas não resolvidas. Problemas esquecidos mas que ainda repercutem nas opiniões de uns sobre os outros..

Caxias tem sido considerada a grande vilã da região. Na verdade como polo econômico de certa forma centralizou a riqueza e os empregos. Há ainda a questão das emancipações dos municípios a ela ligados. Foram exigidos muito dinheiro e cobrança, as marcas ficaram. São estigmas e preconceitos criados historicamente e que são mantidos sem razão lógica. Há muito o que contar.

Ainda assim, como bons irmãos uns imitam os outros. Quem não conhece casos de irmãos concorrentes no comércio local? Conheço pelo menos meia dúzia. Mas voltando aos municípios irmãos eles agem entre si como concorrentes. Um exemplo são as festas que concorrem em vez de colaborarem entre si. Cada um puxando a corda para um lado. Uma perda de tempo. Juntos teriam mais força e sucesso. Como dizia Montesquieu: “A sociedade é a união dos homens, e não os próprios homens.” Em outras palavras sem união não existe sociedade. Em tempo, lembrei-me de uma velha frase de Einstein: “O esforço para unir a sabedoria e o poder raramente dá certo e somente por tempo muito curto.” Será que este é o cerne da questão?

Loraine Slomp Giron historiadora