O nome Pierina deriva de Piero ,mas não tem a mesma beleza
do nome masculino, apesar de pedra ser
nome feminino. Pierina seria o nome equivalente
a Pedrinha em português. Ninguém se chama assim. Há apenas a Pedrita
dos Flinstones.·.
Pierina trabalhava na horta da casa de
meus pais na década de quarenta e de cinquenta. Não havia no centro de Caxias
uma única casa sem horta, tinham ainda um poço e um galinheiro. Até o final da
década de quarenta, isso era comum. Mais
tarde os poços foram fechados pela higiene e os galinheiros proibidos. Mas as
hortas continuaram.
No
terraço de minha casa tenho uma mini-horta com todos os temperos que uso na
cozinha, seja manjericão, mangerona,
salsa, cebolinha, alecrim, orégano tomilho entre outros. Junto com as
flores e as folhagens como as hortas de antigamente. Não sei viver sem os
temperos verdes, coisas do passado, coisas ensinadas por Pierina.
Deveria
estar próximo dos oitenta era gorda e corada. Ela era a criatura mais gentil do mundo, tinha um modo
de falar de criança, como se fosse uma menina de quinze anos. Falava em si
mesma na terceira pessoa.Dizia ela ,por exemplo:” Poreta Pierina
tan stanca de laorar.(pobre Pierina cansada de tanto trabalhar) “Ou então :” Pierina giovenetta non sapeva niente”(.Quando jovenzinha Pierina não sabia de nada).
Ela
tinha vindo de Milão na Itália com seus pais, que foram morar na 1ª Légua, em
Nova Milano. Seu pai Carlo Spinelli era
mestre sapateiro na Italia(Poreto de mi pare chi era maestro calzolaio in
Milano). Contava ela como seu pai estranhou o mato que não conhecia e a solidão
das colônias,onde nem igreja ainda havia.Ele sentia saudades até dos sinos das
igrejas, que aqui não se ouvia. Temia o barulho dos bugios e das aves, pois
pensava que eram índios ou animais ferozes .Afinal era o ano de 1875.
Mais
tarde foram morar em Nova Vicenza( Farroupilha)e abriram um armazém.Logo se casou, com o marido vieram para Caxias onde
abriram outro armazém.Não sei como
ela teve apenas um filho. Ela nunca falava de seus problemas
,apenas contava coisas do passado,enquanto capinava.Eu a escutava muito atenta. Ela gostava de falar
comigo.Com ela o passado ficava tão
colorido e bonito,ainda que muito pobre
.
Ela
não me contou, mas fiquei sabendo pela minha
mãe, que sabia de todas as fofocas e casos da cidade inteira,que ela
havia sido alijada da posse do armazém e da casa,por sua nora(que parecia sua
filha de tão igual a ela) .Ela comprava suas coisinhas com o dinheiro recebido
no trabalho da horta,que era o único que possuía. Muitas vezes trazia Luiz, seu marido,para ajuda-la. Nunca reclamava de nada. Fiquei desde cedo consciente da ingratidão
dos filhos,pelo que fizeram com a doce Pierina, o ser mais gentil e singelo que
conheci. Para ela parece ter escrita a frase de Pessoa :”Pedras no caminho?
Guardo-as todas .Um dia vou construir um castelo.”