sexta-feira, 28 de setembro de 2012


A SINA DE ANITA.

Mulher costurando .Renoir 

Pasmem os leitores, as histórias que tenho escrito aconteceram. Mesmo com muita imaginação eu não saberia inventar coisas assim (ou sim?). Claro que a história contada não é a real, apenas um flash em palavras daquilo ficou na lembrança. Da mesma forma que a palavra bem-te-vi (felizmente) não canta.
Ela se chamava Anita, era a mãe de minha melhor amiga do primeiro ano primário. Recém-chegada da Forqueta, vivendo entre os colonos, eu não podia ser mais grossa. Conhecia um conjunto notável de besteme que aplicava nas mais impróprias horas. Quando entrei no São José conheci Patrícia. Era a mais fresca das criaturas. Cheia de não me toques, suas roupas eram da última moda, cheias de rendas e babados, tudo que eu detestava.  Creio que a amizade resulta numa espécie de mimetismo. Assim, graças a ela usei coisas que não tinha vestido antes, muito menos depois. Quando me lembro de meu vestido de organza azul com frufrus feito sob sua inspiração sinto arrepios. Para completar usávamos chapéus idênticos, pretos de veludo, com uma fita de gorgorão rosa, que poderia espantar um cego. Tudo por que sua mãe era modista afamada e eu fiquei muito impressionada. Enfim, o caso não são as roupas, mas Anita, ela mesma.
            A família de Patrícia era pobre. A casa de três pavimentos de madeira era velha, quase caindo aos pedaços.  Vivia com os avós já velhos (ele fora ferreiro de renome) e com a mãe. O pai, não tinha. Anita nunca saia de casa, nem para ir à missa, vivia enclausurada, costurando sem parar. Curiosa, eu quis saber que fim levara o pai. Patrícia me respondeu que tinha morrido. Em outro ataque de curiosidade quis saber por que a mãe não saia de casa, disse-me que desde que morrera o pai ela tinha feito promessa. Promessa para mim era outra coisa. Era ir colocar flores no cemitério, rezar para o Menino Santo obrigar meu pai me dar uma bicicleta. Coisas práticas. Em geral, eu fazia negócios com o Alto. Fiquei matutando se a promessa seria para o pai dela morrer? Vai saber! Criança vê o mundo plano como uma panqueca!
Um dia eu ouvi minha mãe conversando com uma amiga, sobre a mãe de Patrícia. Bem quieta, atrás da porta, fiquei prestando atenção. Em síntese, fiquei sabendo que Regina que nunca fora casada. Mas, o pai da sua filha, sim. A sua mãe tinha dado um mau passo. Coberta de vergonha (assim mesmo), depois ganhar a filha, nunca mais saíra de casa. Fiquei espantada! Não contei nem para minha mãe, nem para Patrícia o que eu descobrira.  Tempos depois brigamos e nunca mais falei com ela!
Mas a pobre Anita tão gentil viveu trancada e estigmatizada até morrer. Muitos anos depois, morta em seu caixão deixou a casa. Logo, a casa foi demolida. Tal auto enclausuramento só poderia acontecer na Caxias de antigamente. Tão cruel!
Loraine Slomp Giron    Twitter: loslomp  Blog: http://historiadaqui.blogspot.com.br/

sexta-feira, 21 de setembro de 2012


ROSINHA

 Recorte de quadro de  C. Monet.Não é ,mas poderia ser Rosinha.


Naqueles tempos de ingenuidade havia estranhos costumes. Nos domingos depois da missa, na Praça havia o footing. Era um passeio das meninas, na calçada fronteira ao Cinema Central, entre as ruas Dr. Montaury e Marquês do Herval. Os rapazes ficavam parados nos bancos ou encostados nas árvores. Raramente um se aproximava. Ainda assim alguns se consideravam namorados, só de olhar. Era um rito muitíssimo esquisito. Mas havia outros.
 Era no meu tempo de colégio São José. Então, havia dois tipos de meninas, as que eram e as que não eram mocinhas, assim eram chamadas as púberes de então. Diziam que Rosinha foi a primeira a virar mocinha. Com certeza eu fui a última. Terminei o ginásio e nada. Tal fato era motivo de deboche.  
Ela era a mais requisitada de todas as garotas, vivia em bailes e boates (naquele tempo existiam só as de Clubes). Seu pai era gerente de um banco e a família viera de fora, de Passo Fundo, tinham outros hábitos. Como era namoradeira era muitíssimo mal falada.As minhas colegas e eu entre elas, sentíamos um pouco de inveja dela, sempre  bem arrumada , tão desinibida, tão livre, mas  tão galinha ( assim se dizia).
Naquele tempo os meninos (pois eram muito novos) tinham outro costume, de literalmente correr atrás das meninas. Dois ou três guris tinham a mania de correr atrás de mim, da escola até em casa.   Eu saia do colégio e vinha aquele trio ou duo. Entrava no portão de casa correndo e me escondia, com raiva e medo. Um dia pedi para meu primo que era um guri por que eles faziam aquilo. Ele não explicou, mas me aconselhou a pegar um pau de vassoura e bater neles. Achei um conselho muito bom.  Foi o que eu fiz, nem uma, nem duas, mas todas as vezes que apareciam aqueles débeis mentais na minha frente. Enfim, depois de muito bater pararam de me perseguir.
Um dia Rosinha me chamou de lado e disse que eu estava sendo falada. Segundo a voz popular, eu era louca de atar. Disse-me que meninas não agem assim, são boazinhas com os meninos. Mas o que eu tinha feito fora feito e muito bem feito
Nem bem terminara o ginásio Rosinha casou. Dizia a voz a do povo que estava grávida. Não sei se era verdadeiro o boato. Pouco depois foi embora de Caxias e nunca mais soube dela. Séculos depois, em Porto Alegre meu filho foi colega de uma de suas  filhas na PUC. Ela continuava casada (no terceiro marido) e sempre boazinha. Ela contou à filha que se lembrava de mim, pois louca. Eu custei a me lembrar dela, pois boazinha. Como o mundo é pequeno.
Loraine Slomp Giron

quinta-feira, 13 de setembro de 2012


DILÚVIO DE LÁGRIMAS


Nova Vicenza em 1926,Cinema Central ficava ao lado da Casa Fetter,

Os italianos não são melhores do que os outros povos em matéria de artes. Afinal o que eles têm? Um ou outro Dante, na poesia; um ou outro Ítalo Calvino, na literatura; um  Da Vinci na  pintura e  um Miguel Ângelo na escultura. Possuem ainda  alguns pensadores como Giordano Bruno ,Galileu Galilei, Maquiavel e Gramsci  na filosofia  e  na política. Enfim, nada que não possa ser igualado por outros povos.
Em tempos de eleições, fujo do tema política , dedicando-me  às lembranças  não muito sentimentais  do passado .Vamos ao passado.  Uma pessoa importantíssima para mim foi meu tio Willy Fetter, na verdade meu avô adotivo. Ele era dono de um cinema em Farroupilha. Ficava num prédio de madeira, na Rua Júlio de Castilhos. Quando eu ia passar as férias na casa da minha tia todas as noites minha prima e eu, íamos ao cinema com ele. Assim pude ver velhos filmes clássicos, os lançamentos dos desenhos de Walt Disney e os péssimos seriados que faziam dos alemães e dos japoneses os bandidos do mundo. Voltávamos para casa tarde comentando as peripécias do filme que tínhamos visto.  Meu tio era um ser especial: tocava violão (chorinhos), fumava palheiro, era luterano, lia policiais e tinha uma boa biblioteca. Com ele perdi os antolhos. Muito cedo, entendi a diferença entre católicos e protestantes, assisti a belos cultos e passei a ler a Bíblia (protestante no caso).
Seu avô alemão tinha lutado nas guerras sulinas do século XIX, e recebeu  terras do governo, como outros soldados prussianos engajados no recém criado exército nacional. Ele guardava com carinho as suas armas, seus livros e o telescópio. Em tempos de caça às bruxas o que restou de seu avô foi confiscado. A destruição das  suas lembranças pela polícia, me fez perceber como os homens  e a política podem ser injustos. Meu tio era o mais brasileiro de todos e mais artista que muitos, nunca falou em política, só em livros e em filmes. Os anos passaram meu tio morreu, mas não a minha saudade.
Mas voltando aos italianos. Em 1988, assisti ao filme Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore. Nunca chorei tanto, nunca mesmo, creio que de  saudades do cinema  e do meu tio. Tornatore não é nenhum Fellini, apenas o mais sensível dos cineastas italianos. Como poucos lida  com vestígios do   passado.Há pouco vi pela televisão outro de seus  filmes Baaria ( de 2009) .Onde  retrata as lutas dos comunistas italianos contra  o fascismo e a máfia  na Sicilia. O filme é autobiográfico, Bagheria  é sua cidade natal., onde foi filmado O Poderoso Chefão. O filme recupera o outro lado da história da cidade. Nem só de máfia, nem de fascismo vive a Itália Há ainda as lutas sindicais, a reforma agrária e o ideal da igualdade que vigoraram na Itália no pós guerra.A crítica não gostou, danem -se os críticos. Comovente é o adjetivo que lhe cabe. Recomendo!  Realmente, os italianos podem não ser os melhores, são apenas  imbatíveis
Loraine Slomp Giron    Twitter: loslomp  Blog: http://historiadaqui.blogspot.com.br/


segunda-feira, 10 de setembro de 2012


PRAÇA  DO DESASSOSSEGO



             Coisa que eu gosto mais do que a história é a natureza. A natureza indomada das matas, a natureza escravizada das plantações comerciais e a natureza engaiolada dos vasos e dos jardins.Tal gosto deve estar diretamente associado a origem camponesa dos imigrantes europeus que povoaram a região Mais do que tudo amo a Natureza enquanto conceito ,em contraposição à civilização.
            “Há um provérbio que diz: ‘Eu deixei a colônia, mas ela não me deixou”. Realmente ninguém abandona suas raízes, ainda que queira. As raízes são carregadas nos genes como cor dos olhos, dos cabelos e as inclinações. Delas não se foge, se aguenta! Essa parece ser a grande luta desse século XXI os velhos tabus são negados, e os valores mumificados como coisas ultrapassadas.
            Mas voltando a natureza. Há uma profunda diferença entre praças e jardins. As palavras , no entanto, são usadas como sinônimos.Nada como um bom dicionário etimológico para estabelecer as diferenças e um dicionário comum para  as esquecer.
Praça  vem do latim platea  que significa rua larga, praça pública ou local aberto na  confluência de ruas.Igual  origem  tem a palavra plateia  ,lugar  de onde se assiste um espetáculo .A  origem comum não é  acaso.Não parece haver  acasos na língua ( ou há?). Jardim, por sua vez, vem do latim hortus gardinus , que significa “espaço ordinariamente fechado, onde se cultivam árvores, flores, plantas de ornato”. Há uma leve diferença entre  a Praça de Touros espanhola e o Jardim das Plantas de Paris.
Em Forqueta, minha avó cultivava, uma horta e um jardim que se interpenetravam. Em torno de um canteiro de palmas de Santa Rita vicejavam morangos. Para ela não havia horta ou jardim, apenas o primal hortus gardinus , cercado .De muitas outras avós.
Em Caxias não há jardins,  como o da Luz, mas há parques como os dos Macaquinhos  e  praça como a Dante Alighieri. A Praça já foi jardim ( visto que  cercada)  e parque porque  coberta  de casuarinas sem cercas.  Hoje o Parque lugar é lugar de drogados e de camisinhas,  e a  Praça  o lócus  de  pombos,ciganas, marginais e desocupados e muita sujeira. ... Relendo a cruel prosa  de Fernando Pessoa encontrei  a melhor definição possível de  jardim.Escreve ele : “Um jardim é o resumo de uma civilização, uma modificação anônima da natureza.” Perfeito ! Copiando Pessoa poderia afirmar que a Praça é o resumo de Caxias.

Twitter: loslomp
 Blog:historiadaquiblogspot.com 

sábado, 1 de setembro de 2012


ALARICO MACHADO



Antiga feira na Praça .1912. Fonte Adami 

Corria a década de cinquenta, em Caxias, a feira livre voltou a funcionar. A  feira era uma festa, com ruídos, algazarra e um indefectível alto falante, tocando músicas regionais. Toda cidade acorria à  feira que ocorria  nas manhãs de  sábado . Local era excelente ficava na frente do  Colégio do Carmo na  Rua Os 18 do Forte.
As feiras tinham existido na primeira década do século XX,na Praça Dante, que então, não tinha jardins, nem monumentos, nada. Apenas alguns quiosques de comerciantes a decoravam. Caxias sempre foi marcada pela predominância do privado sobre o público. Assim o comércio alugava a Praça. A feira da Praça reunia toda Caxias: mulheres vendendo tabuleiros de doce, negociantes de mulas, de cerveja , de aluguel de cadeiras para assistir sentado à missa na igreja , que ainda não tinha bancos. Com o Intendente Peninha, em 1912, a feira foi extinta. Só voltou a funcionar com o governo de Luciano Corsetti que foi um de seus melhores administradores.
Voltando à feira. Na esquina das ruas Dr. Montaury e 18 do Forte havia uma belíssima casa. Era de alvenaria com ampla sacada na frente, com dois  pavimentos  e o porão (por causa do desnível da rua) Era pintada de rosa e tinha  colunas da área, e na   frente  sul pedras coloridas .A casa era das mais belas casa de Caxias. Dona Luiza sua  dona   era uma das Damas de Caridade (fundadoras  o Hospital Pompéia). Seu marido havia sido figura ilustre da cidade. Não sei quantos filhos teve, naquele tempo com ela viviam um filho e uma filha. Era comum ver o filho sentado na varanda da casa lendo jornal.  Não sei qual era sua profissão.
Também não sei quando começou a ter ataques de fúria contra a feira. Corria pela cidade que havia um louco naquela bela casa, que saia na janela aos gritos contra o barulho da feira, que o impedia de dormir Assim Alarico passou a sofrer com a feira  todo santo sábado . Há pessoas que acreditam que seu bem estar é mais importante que o da comunidade. Ele por certo era um deles.
Era um sábado de primavera, o alto falante animava os feirantes com uma rancheira. De repente ecoam gritos na rua. Logo se pensou em morte, mas, não. Era  Alarico que saia de casa, aos berros,  num pijama branco com  listras azuis , trazendo na mão um reluzente  machado de cabo  vermelho.As pessoas ao vê-lo se assustaram , e fugiram para todos os lados .. Sem olhar para os lados, ele foi direto ao alto falante, que ficava na frente da Católica Domus. Com machadadas certeiras terminou com a festa. Os feirantes e os compradores da feira (e eram muitos) assistiram a um espetáculo inesquecível, não havia muitos na cidade. . Com Alarico nada aconteceu, apenas pagou os prejuízos. Afinal era rico, mas ganhou um novo sobrenome. Desde então foi chamado de Alarico Machado.  Nos tempos de antigamente, nós teríamos aqui um Gelson Palmeira.