A
SINA DE ANITA.
Mulher costurando .Renoir |
Pasmem
os leitores, as histórias que tenho escrito aconteceram. Mesmo com muita imaginação
eu não saberia inventar coisas assim (ou sim?). Claro que a história contada não é a real, apenas um flash em palavras daquilo ficou na lembrança.
Da mesma forma que a palavra bem-te-vi (felizmente) não canta.
Ela
se chamava Anita, era a mãe de minha melhor amiga do primeiro ano primário.
Recém-chegada da Forqueta, vivendo entre os colonos, eu não podia ser mais
grossa. Conhecia um conjunto notável de besteme
que aplicava nas mais impróprias horas. Quando entrei no São José conheci Patrícia.
Era a mais fresca das criaturas. Cheia de não me toques, suas roupas eram da
última moda, cheias de rendas e babados, tudo que eu detestava. Creio que a amizade resulta numa espécie de mimetismo.
Assim, graças a ela usei coisas que não tinha vestido antes, muito menos depois.
Quando me lembro de meu vestido de organza azul com frufrus feito sob sua
inspiração sinto arrepios. Para completar usávamos chapéus idênticos, pretos de
veludo, com uma fita de gorgorão rosa, que poderia espantar um cego. Tudo por
que sua mãe era modista afamada e eu fiquei muito impressionada. Enfim, o caso
não são as roupas, mas Anita, ela mesma.
A
família de Patrícia era pobre. A casa de três pavimentos de madeira era velha,
quase caindo aos pedaços. Vivia com os
avós já velhos (ele fora ferreiro de renome) e com a mãe. O pai, não tinha.
Anita nunca saia de casa, nem para ir à missa, vivia enclausurada, costurando
sem parar. Curiosa, eu quis saber que fim levara o pai. Patrícia me respondeu
que tinha morrido. Em outro ataque de curiosidade quis saber por que a mãe não
saia de casa, disse-me que desde que morrera o pai ela tinha feito promessa.
Promessa para mim era outra coisa. Era ir colocar flores no cemitério, rezar
para o Menino Santo obrigar meu pai me dar uma bicicleta. Coisas práticas. Em
geral, eu fazia negócios com o Alto. Fiquei
matutando se a promessa seria para o pai dela morrer? Vai saber! Criança vê o
mundo plano como uma panqueca!
Um
dia eu ouvi minha mãe conversando com uma amiga, sobre a mãe de Patrícia. Bem quieta,
atrás da porta, fiquei prestando atenção. Em síntese, fiquei sabendo que Regina
que nunca fora casada. Mas, o pai da sua filha, sim. A sua mãe tinha dado um
mau passo. Coberta de vergonha (assim mesmo), depois ganhar a filha, nunca mais
saíra de casa. Fiquei espantada! Não contei nem para minha mãe, nem para
Patrícia o que eu descobrira. Tempos
depois brigamos e nunca mais falei com ela!
Mas
a pobre Anita tão gentil viveu trancada e estigmatizada até morrer. Muitos anos
depois, morta em seu caixão deixou a casa. Logo, a casa foi demolida. Tal auto
enclausuramento só poderia acontecer na Caxias de antigamente. Tão cruel!