quinta-feira, 30 de maio de 2013




DOS CÃES E DOS GATOS


Os gatos tem sido objeto de amor e culto há milhares de anos. Os egípcios os embalsamavam como os seres humanos, nos túmulos eles faziam companhia aos  faraós e sacerdotes. Parece que os cães não tiveram tal culto. Os Incas adoravam comer uns cachorrinhos na grelha. Em Caxias havia uma família vizinha ,que comia gatos assados ,diziam  que  a sua  carne era como a de lebre.
 Ainda hoje há diferenças entre cães e gatos. Ou melhor,há homens estão que amam gatos e os que amam os cães. Seria possível até traçar um perfil dos dois tipos de homens, como aqueles que o FBI traça dos serial killers . Creio que tal diferença mereceria um estudo, afinal o dinheiro público é gasto em pesquisas ainda mais insignificantes. Pelo menos essa teria caráter universal, pois, tal amor não divide apenas indivíduos, mas povos.Os árabes detestam cachorros e amam os gatos. Não é por acaso que eles desenvolveram várias raças de gatos. Já os alemães (que não inventaram só o Volkswagen) aperfeiçoaram raças de cachorros como os pastores alemães e os dobermann .O animal favorito de Hitler era Blondi , uma cadela policial, que ao que se lê era o mais amado dos seres. Os americanos também preferem os cachorros. Já que são pragmáticos e amantes de armas. Na verdade os cães podem se tornar armas poderosas quando seus instintos ancestrais são despertados. Afinal, não passam de lobos desmemoriados. Será que já inventaram um gato policial?
Quando muito pequena eu amava os gatos. Naqueles tempos, no Centro da cidade, os gatos andavam livres pelos telhados das casas. Um deles passeava pelo nosso quintal, onde havia frutas, verduras e até  uma criação de galinhas. Era um gatinho lindo de cor bege, com listras cor de laranja. Eu o chamei de Ovídio. Então ,com dez anos então já  se estudava  latim e eu  então  tentava fazer a tradução  de um verso desse poeta. Ovídio (o gato) ficou meu amigo, dava-lhe leite e comida. Pegava-o no colo. Foi meu segundo bicho de estimação (a primeira foi uma galinha branca chamada Pombinha). Ovídio não entrava em nossa casa, vivia na rua. Algumas vezes sumia e depois voltava. Assim se passaram alguns anos. Um dia Ovídio teve seis gatinhos, só então descobri que era uma gatinha (eu era uma rematada ingênua). Um dia fui ver os gatinhos e encontrei o ninho vazio. Ovídio estava devorando o último gatinho. Desde então não pude mais olhar para ele (ela!)! Quando eu o olhava via as patinhas do gatinho saindo de sua boca. Nojento e cruel!  Passei a julgar os gatos antropófagos, ou melhor, catófagos !
Naqueles velhos tempos os animais, eram apenas animais. Ainda não havia pet shops, apenas poucos consultórios veterinários, nem trajes para cachorros. Se fosse hoje Ovídio poderia até ser levado a um psiquiatra e tratado de estresse pós-parto. Afinal, ele era apenas ela, não um serial killer Então os animais eram animais e os homens eram homens. A humanização dos animais que é fenômeno recente poderia ser seguida da humanização dos excluídos!
Loraine Slomp Giron  Historiadora .Twitter: loslomp Blog :historiadaquiblogspot.com



quarta-feira, 22 de maio de 2013


CRIME EM GALÓPOLIS


Mais comum do que assassinato de ricos é o de pobres. Em geral, quando é morto um pobre, as causas são sempre as mesmas: brigas, bebida ou tráfico de drogas. Merece apenas uma nota na página policial, nada mais. Já os crimes que envolvem ricos e famosos dão IBOPE. Não há nada que dê tanta manchete como sexo, fama e dinheiro Basta citar os casos de PC Farias e de Bruno entre outros. Caxias não foge a essa regra, mesmo em tempos de antanho.
Nos idos de 1933, o assassinato de Orestes Manfro ocupou a primeira página do Caxias Jornal por mais de mês. Ele dirigia o Lanifício São Pedro desde 1925, ao mesmo tempo ocupava o cargo de subdelegado de polícia.  Orestes Manfro era rico, de família proeminente, maçom e membro do Partido Republicano Liberal. Ocupou cargos na administração municipal. Enfim, tinha fama local.
O lugarejo onde ficava o Lanifício era conhecido como Il Profondo,por ser um vale em garganta.Mudou de nome com a morte de Galló,quando  recebeu o nome Galopólis em sua homenagem. Hoje é dos raros exemplos brasileiros de preservação (ainda que precária) de uma vila industrial. Quando seu antigo proprietário Èrcole Galló morreu,em 1928, a  família Chaves Barcellos comprou a parte da empresa que pertencia à sua família. Manfro continuou na administração. Falava-se, a boca pequena, que Manfro empregava só brancos e italianos e não negros ou mulatos, Gostaria de destacar que estou usando termos de então, que hoje são considerados ofensivos.
João de Deus Oliveira tinha 26 anos, viera de Bom Jesus para Galópolis em busca de emprego. Era muito pobre, conseguiu algum trabalho como diarista, mas não o emprego fixo que desejava. Tendo procurado inutilmente emprego, chegando a  falar com o diretor do Lanifício. Afirmava que não havia sido contratado por ser mulato e brasileiro. Às oito horas, de uma manhã fria e nevoenta, no dia sete de junho de 1933, João de Deus esperou escondido atrás de um eucalipto a passagem de  Manfro ,no seu caminho habitual para o trabalho. Quando o empresário passou por ele, o apunhalou. Ainda vivo foi socorrido por operários, levado à sua casa, logo morreu. João de Deus segundo O Caxias pegou suas coisas e pela estrada real e foi embora. Foi capturado em primeiro de julho em Rodeio de Areia (Ararangua),  preso e condenado.Ele  não recebeu nenhum respeito (nem dúvida) do jornal, foi apontado como assassino perigoso, descarado e de sangue frio. Nada mais fácil, do que acusa-lo e condena-lo.
 Desde então, muitas coisas mudaram na sociedade com novas leis punindo o racismo. Hoje, o desfecho poderia ser outro. Possivelmente, se João de Deus  tivesse a quem recorrer não teria se tornado assassino. O Jornal por outro lado seria passível de condenação por racismo. Talvez até a vítima sofresse punição por sua ação racista.  Nada como o tempo para mudar os costumes e o direito! Nada como um crime para  revelar o preconceito e a ideologia da sociedade em determinado  período . 
Loraine Slomp Giron   Historiadora .
Twitter :loslomp  Blog: http://historiadaqui.blogspot.com.br/.



quarta-feira, 15 de maio de 2013


NEM TODAS QUEREM...


Há na cidade um cartaz imenso ( outdoor ) com os dizeres “todas as meninas querem ser rainha da Festa da Uva.”Ora, por incrível que pareça eu já fui menina,mas, nem nos meus sonhos mais loucos pensei em ser rainha da Festa da Uva.
Na verdade, eu queria ser rainha sim, mas da Inglaterra. Era o tempo em que as princesas Elizabeth e Margareth Rose ocupavam as páginas das revistas e dos jornais. Eram lindas e loiras com seus cabelos encaracolados, tinham uma casinha (um pequeno castelo) na qual podiam entrar e brincar. Essa foi a imagem da minha vida. Hoje, tem o mesmo destaque que elas Kate e Willian e seu futuro bebê. A propaganda é a alma do negócio e a monarquia inglesa sempre foi especializada em autopromoção, seja em casamentos, nascimentos, comemorações, mortes e em fatos ou em fatóides.
Perguntei a meu pai se poderia ter uma casinha igual a das princesas, ele me respondeu que não, pois, ele não era rei da Inglaterra! Perguntando aqui e lá fiquei sabendo que uma das  princesas  seria rainha da Inglaterra. Então, decidi o que eu queria mesmo era ser rainha da Inglaterra. Durante dias inteiros insisti no meu projeto. A partir de então quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse respondia: “Quero ser rainha da Inglaterra.” As pessoas riam e eu não entendia o porquê . Até meus pais que eram de pouco riso, riam de minha ideia estapafúrdia.
Eu tinha apenas quatro anos, mas minhas ambições eram grandes. Foi meu tio Willy que era  quem mais me ensinava, que me disse que eu não poderia ser rainha da Inglaterra, explicando como era feita a sucessão  do trono ( não nesses termos ,é claro ) e eu entendi a besteira!
 Dai tomei nova decisão queria ser padre. Pois eu queria falar no púlpito (naquele tempo era usado) para que todos me ouvissem. Na minha casa meu auditório era mínimo. Quando mudei meu projeto, os risos não foram menores. Por incrível que pareça eu não estava fazendo graça, queria mesmo ser padre. Dessa vez foi minha mãe que me informou que só os homens poderiam ser padres. Não deu outra, peguei emprestadas as roupas de meu primo ( na verdade meu irmão) e comecei a treinar para ser homem. Naqueles tempos de inocência eu pensava que era suficiente mudar de roupas para mudar de sexo. Dessa vez foi minha irmã mais velha (que me ensinou a ler), que me alertou para a diferença entre os sexos ,não de forma clara ,mas metafórica.Falou-me que faltava para as meninas  uma pecinha que os homens tinham e as meninas não. Mais tarde descobri o que me faltava( ou não).Quando chegou na minha casa a Enciclopédia Jackson, meu maior amansa burro.
Mas, de qualquer forma, quando fiquei mocinha, nem assim me passou pela cabeça ser rainha da Festa da Uva. Como tantas outras mocinhas de ontem e de hoje não fiquei atraída pelo título. Por esse motivo a afirmação do cartaz me irritou ao usar todas. Se há uma coisa que aprendi na vida, não se deve fazer afirmações taxativas como: sempre, nunca ou todos .São formas de cair facilmente em erro. Relativizando-as, as afirmações  se tornam menos passíveis de erro. Para não fazer propaganda enganosa aconselho aos promotores da Festa da Uva que mudem o cartaz, pois, nem todas as meninas querem ser rainha! Disso tenho certeza!
Loraine Slomp Giron    Twitter: loslomp  Blog: http://historiadaqui.blogspot.com.br/


quinta-feira, 9 de maio de 2013


O TREM E EU


As pessoas da minha geração viajavam de trem. Era  transporte rápido ,barato e cômodo.. já que as estradas de chão eram péssimas. Como eu morava na Forqueta (não em Forqueta),até meus cinco anos, seguidamente, minha mãe e eu  viajamos para  Barbosa . Para visitar meu avô e alguns tios e tias  que lá viviam.
Na Forqueta, minha casa ficava em frente à Estação e para apanhar o trem bastava atravessar a rua. Comprava-se a passagem em um pequeno guichê. O trem chegava no horário, pouco se atrasava.  Em menos de uma hora se chegava a Barbosa (ninguém falava Carlos só Barbosa). Íamos de manhã e voltávamos de tarde. Praticamente, todas as semanas, íamos à Farroupilha, para visitar minha tia que era como minha avó, já que a mãe de minha mãe morreu  cedo(mas teve doze filhos). Para chegar à  Estação de Nova Vicenza levava-se cerca de trinta  minutos.Era rápido demais nem dava para aproveitar a viajem.  Tão curta que era! Mais curta ainda era quando em lugar de trem se apanhava o carro motor, (não sei se tinha outro nome), assim era chamado, era ainda mais rápido. As fagulhas, que algumas vezes, entravam pela janela e queimavam roupas e a pele dos passageiros. Pois, os trens eram movidos a carvão.Mas era muitíssimo agradável.
Mas o trem não servia só para as viagens servia também para namorar (não eu que era criança). Minha babá me levava de tarde na Estação,para ver os moços que passavam nos vagões de passageiros.Para ser franca nunca olhei os viajantes,preferia as pedrinhas do chão ou as rodas dos trens,gostava ainda  de ver  quando  o trem era abastecido com lenha e água. De qualquer modo era emocionante tanto a chegada quanto a saída do trem, com aquele ruído imenso de engrenagens e aquele o cheiro forte de carvão incandescente. O trem serviu também para tratamento da minha coqueluche. Naqueles tempos de inocência, acreditava-se que seus vapores serviam para acalmar a tosse. Quantas vezes respirei seus vapores, quando os trens passavam por Forqueta . Tal crença devia ter um fundo de verdade, pois, recordo que tossia menos quando aspirava o vapor do trem.
Quando nos mudamos para Caxias, já no final da Guerra, o trem foi abandonado. Com a escola, as viagens se tornaram menos frequentes A Estação era distante e os ônibus tinham mais horários. As estradas melhoraram.. Já então, os carros novos e confortáveis eram considerados melhores do que os trens, pois eram privados não se convivia com estranhos. Começou então a nova cultura dos carros e a nova era da poluição urbana! Adoro transportes coletivos, pelos quais transita o povo. Pena que poucos gostem!Só no Brasil os trens foram trocados pelos ônibus,coisas da Revolução de 64?
Loraine Slomp Giron   Twitter: loslomp Blog :historiadaquiblogspot.com