NEM TODAS QUEREM...
Há na cidade um cartaz imenso (
outdoor ) com os dizeres “todas as
meninas querem ser rainha da Festa da Uva.”Ora, por incrível que pareça eu
já fui menina,mas, nem nos meus sonhos mais loucos pensei em ser rainha da
Festa da Uva.
Na verdade, eu queria ser rainha sim,
mas da Inglaterra. Era o tempo em que as princesas Elizabeth e Margareth Rose
ocupavam as páginas das revistas e dos jornais. Eram lindas e loiras com seus
cabelos encaracolados, tinham uma casinha (um pequeno castelo) na qual podiam
entrar e brincar. Essa foi a imagem da minha vida. Hoje, tem o mesmo destaque que
elas Kate e Willian e seu futuro bebê. A propaganda é a alma do negócio e a
monarquia inglesa sempre foi especializada em autopromoção, seja em casamentos,
nascimentos, comemorações, mortes e em fatos ou em fatóides.
Perguntei a meu pai se poderia
ter uma casinha igual a das princesas, ele me respondeu que não, pois, ele não
era rei da Inglaterra! Perguntando aqui e lá fiquei sabendo que uma das princesas seria rainha da Inglaterra. Então, decidi o
que eu queria mesmo era ser rainha da Inglaterra. Durante dias inteiros insisti
no meu projeto. A partir de então quando me perguntavam o que eu queria ser
quando crescesse respondia: “Quero ser rainha da Inglaterra.” As pessoas riam e
eu não entendia o porquê . Até meus pais que eram de pouco riso, riam de minha
ideia estapafúrdia.
Eu tinha apenas quatro anos, mas
minhas ambições eram grandes. Foi meu tio Willy que era quem mais me ensinava, que me disse que eu não
poderia ser rainha da Inglaterra, explicando como era feita a sucessão do trono ( não nesses termos ,é claro ) e eu
entendi a besteira!
Dai tomei nova decisão queria ser padre. Pois
eu queria falar no púlpito (naquele tempo era usado) para que todos me ouvissem.
Na minha casa meu auditório era mínimo. Quando mudei meu projeto, os risos não
foram menores. Por incrível que pareça eu não estava fazendo graça, queria mesmo
ser padre. Dessa vez foi minha mãe que me informou que só os homens poderiam
ser padres. Não deu outra, peguei emprestadas as roupas de meu primo ( na
verdade meu irmão) e comecei a treinar para ser homem. Naqueles tempos de
inocência eu pensava que era suficiente mudar de roupas para mudar de sexo.
Dessa vez foi minha irmã mais velha (que me ensinou a ler), que me alertou para
a diferença entre os sexos ,não de forma clara ,mas metafórica.Falou-me que
faltava para as meninas uma pecinha que
os homens tinham e as meninas não. Mais tarde descobri o que me faltava( ou
não).Quando chegou na minha casa a Enciclopédia Jackson, meu maior amansa
burro.
Mas, de qualquer forma, quando
fiquei mocinha, nem assim me passou pela cabeça ser rainha da Festa da Uva.
Como tantas outras mocinhas de ontem e de hoje não fiquei atraída pelo título. Por
esse motivo a afirmação do cartaz me irritou ao usar todas. Se há uma coisa que aprendi na vida, não se deve fazer
afirmações taxativas como: sempre, nunca ou todos .São formas de cair
facilmente em erro. Relativizando-as, as afirmações se tornam menos passíveis de erro. Para não
fazer propaganda enganosa aconselho aos promotores da Festa da Uva que mudem o cartaz, pois, nem todas as meninas querem ser rainha! Disso tenho certeza!
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