quinta-feira, 25 de julho de 2013

AS SOMBRAS DO ÓPERA

 Muitas vezes fico olhando para a medonha garagem que substituiu o cinema  Ópera  e me  lembro dos anos ( e foi a maior parte da minha vida) que vivi sob sua  suas sombras . Na minha casa havia o galinheiro  que fazia divisa com a parede lateral do cinema. .Naqueles tempos galinhas eram apenas galinhas sem adjetivos. Bem no meio do galinheiro havia uma pereira cujo tronco fora parcialmente queimado no incêndio do Apollo, em 1928. A pereira dava as melhores peras que já comi firmes, verdes e sumarentas. Havia a macieira que dava maçãs da Califórnia (aonde foram?) e pêssegos amarelos do tamanho de um punho, dulcíssimos A sombra matutina do Apolo fazia bem para algumas plantas e frutos.
Nas noites de verão, subíamos no telhado para assistir filmes. As janelas do cinema  tinham tampos  que ficavam abertas por causa do calor ,por elas  era possível divisar parte da tela. Era uma alegria só. Não havia filmes proibidos, para nós. Também íamos ao cinema nos matinê (assim eram  chamados) de  domingos de tarde, e nas terças de noite, chamado de  Dia da Dama ,quando a entrada era grátis para as mulheres.Era bom demais.
Havia inconvenientes na sua vizinhança como os ratos e as pulgas. Os ratos invadiam nossa casa,para detê-los havia ratoeiras na cozinha e na despensa. Vez por outra, um rato era apanhado na ratoeira, então era morto por afogamento ou pancada. Eram tempos pragmáticos, não havia lugar para medos ou frescuras. Em 1950 foi feita uma grande reforma e o Apolo virou Ópera, com menos ratos e menos pulgas antes.
Durante 52 anos acompanhei o Cinema, dia a dia. Nele assisti grandes filmes,  seriados, óperas, espetáculos musicais, festivais e aprendi muito sobre cinema e sobre a vida.  Como tudo que é  sujeito ao tempo, também cinema ficou velho. Precisava de reformas e a proprietária preferiu  vende-lo. Então foi fechado. A população se reuniu e o abraçou o. De nada adiantou A Prefeitura e a Universidade que poderiam tê-lo  salvo  fizeram-se de mortos.
Assim, na véspera do Natal de 1994, ele foi criminosamente incendiado. Assisti  seu fim. Acordei de noite com o ruído de uma explosão. Fui à janela e as chamas começavam a sair pelas janelas do terceiro andar (onde ficava a coréia) .Alguns indivíduos estavam pulando  o tapume que havia sido posto para sua demolição. Sofri muito com sua perda, como a de um ente querido Naquele dia cozinhei o peru natalino sob o rescaldo do incêndio. Para mim aquele foi  um dos mais tristes natais. O inquérito nada apurou. Os culpados pelo incêndio nunca foram encontrados, nem os responsáveis, Esses todos sabiam o nome. Hoje estão tão mortos como o cinema.
O cinema virou uma horrenda garagem pela inépcia de poucos e a tristeza de muitos. Até hoje sinto sua falta e daquilo que ele representou durante tanto tempo, uma verdadeira casa da cultura. Não era preciso inventar uma, pois, ela já existia, estava ali na esquina da Montaury com a Pinheiro.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

CONJUNTURA & MOVIMENTOS SOCIAIS



No século XXI, no Brasil, ainda não havia ocorrido movimento social significativo, apenas os paredistas de algumas categorias, em busca de melhores salários.  O último e o menor deles, aconteceu em 1992, foi o dos Caras Pintadas, anti Collor.  Houve outros movimentos marcantes como  o  Passeata dos Cem mil,  no Rio de Janeiro(1968) e o  das Diretas Já (1984) ambos contra   a ditadura . Importantes também foram os ocorridos na Europa em 1848, em 1870 e em 1968. A máxima vitória deles parece ter sido a de reforçar algumas posições. Nenhum deles parece ter atingido seus objetivos.
Uma das causas do refluxo  dos movimentos foi a tomada do poder pelo PT, por meio do voto . Eram seus militantes os principais articuladores. Chegou-se até a falar  numa ditadura sindical, durante o governo Lula. Estando os sindicatos atrelados ao poder a ele não se opunham, a não ser em greves reivindicatórias, contra os patrões. Pouco a pouco o Partido dos Trabalhadores se afastou das ideias antes defendidas, logo, parte da esquerda abandonou suas fileiras, formando dissidências. Na verdade, dentro do sistema em que se formam, os partidos políticos lutam apenas pela tomada do poder. Após o tomarem, em geral, dele se valem apenas para seus interesses. O PT procurou contemplar um programa assistencialista mínimo (não revolucionário), como a instituição de bolsas como a escola, a família e auxílios para a moradia. Mas não era suficiente, o que desagradou a esquerda. Os grupos reacionários (e como existem) sentiram-se pessoalmente lesados, pelos programas sociais do governo, acusando-o de comunista. Some-se a isso a campanha virulenta (da mídia e redes sociais) contra a insólita prática dos governos brasileiros, na compra de alianças, para aprovação de leis e atos provenientes do executivo (como o mensalão).
Dessas práticas apenas o PT foi acusado, até hoje.Com uma exceção : a dos anões do orçamento em 1993.  Por outro lado o custo de vida que se manteve estável durante o governo Lula (2003-2011), por causa da crise mundial, não pode ser contido pelo atual governo .Tal aumento gerou protestos contra a alta da educação ( nas escolas privadas) do transporte e da alimentação. São dados que merecem reflexão. Por fim, a o período favorável em que ocorreu a grande manifestação popular de junho/julho foi  o da realização da Copa das Confederações, para a qual grande parte da imprensa internacional voltava suas lentes. É nessa a conjuntura que nasceu o atual movimento, cujos agentes são dispares e as mudanças pretendidas inatingíveis. Segundo Derrida  dadas suas características os movimentos espontaneistas não tem a força necessária para alcançar mudanças sociais almejadas .Basta esperar para ver.
,Loraine Slomp Giron  Historiadora



quinta-feira, 11 de julho de 2013

AGENTES & MOVIMENTOS SOCIAIS

AGENTES & MOVIMENTOS SOCIAIS
 Hegel afirma que a coruja de Minerva só alça voo ao anoitecer. Da mesma forma, a explicação sobre o movimento social que abalou o Brasil nos meses de junho/julho de 2013 não pode ser completa, visto que ainda não acabou .Só quando os eventos acabam é possível saber seus resultados.  Só muito mais tarde poderão ser explicados  em profundidade.  Muitos foram os movimentos sociais que assolaram o mundo. Também o Brasil teve estranhos movimentos como a Marcha pela Família e Propriedade ( 1964)o das Diretas Já(1984) entre outros.  Falo de movimentos e não de revoluções. Mas o que são movimentos sociais? Cada autor tem sua resposta.  Marx acredita que são reflexos das lutas de classe, Bóbbio que são tentativas de conseguir determinados resultados, com valores e objetivos comuns.  Touraine acredita que mais do que valores e crenças comuns, os movimentos devem ser compreendidos dentro das estruturas sociais nas quais ocorrem. Os autores citados, dado o tempo em que escreveram (anterior à Internet) não oferecem uma explicação total sobre os movimentos atuais do Brasil. Mas dão pistas para entendê-los.  Marx crê que em geral são originários  de minorias para o beneficio de minorias. Alerta para o fato de que muitos dos movimentos sociais do passado (?) foram promovidos pelo capital para defender seus próprios interesses.  
Para analisar o movimento atual, em primeiro lugar, deve-se buscar seus agentes ( não as causas)  e, após  a  conjuntura no qual  se insere .Os agentes iniciais foram organizações  pouco expressivas como o Movimento Passe Livre (MPL)entre outros, que defende a adoção da tarifa zero para transporte público e  coletivo.O movimento criado em Porto Alegre, em 2005, formado  por GTNs (Grupos de Trabalho Nacional),se articula por meio das  redes sociais da  Internet. Alega ser apartidário e independente. Planeja ações conjuntas e o Encontro Nacional do Movimento Passe Livre (ENMPL). É um movimento urbano, radical e horizontal, que exclui os partidos políticos, tendo reindicações materiais. Ou seja, falta-lhe o apelo ideológico. Reúne militantes dos poucos grupos e partidos políticos alijados do poder nacional. O que é mais importante: o Lumpem Proletariado( grupos de marginais) .São portanto grupos tanto  de direita como  de extrema esquerda unidos aos inevitáveis desordeiros .O governo querendo proteger os manifestantes não  tem coibido a violência, o que serviu para seu aumento. Em geral, a sociedade brasileira teme as manifestações e delas não tem se aproximado.Ao que tudo indica os  agentes e  os grupos não tendem  a aumentar. Resta lembrar o que diz Engels:Um grama de ação vale mais do que uma tonelada de teoria. Será verdade? Vistos os agentes, resta conhecer a conjuntura.
Loraine Slomp Giron  Historiadora




quinta-feira, 4 de julho de 2013

PRISIONEIROS DE VAN GOGH

            




Quem já viveu num internato sabe o que é a  perda da liberdade. No século passado as escolas eram raras. Em 1950, em Caxias havia poucas escolas médias ( parece mentira). Havia o curso comercial para o meninos, no Carmo e o curso Normal ( para professoras primárias) no São José e na Escola Normal Duque de Caxias .Em outros municípios nem essas  existiam. Havia mais escolas para meninos do que para as meninas, pois a formação parecia descabida para as moças. As que estudavam eram mal vistas. No mundo permissivo de hoje não é possível imaginar como era duro ter nascido mulher!
As alunas (cujos pais tivessem meios) eram mandadas para o internato, lugar muito semelhante aos presídios. Para quem não viveu tal experiência vale uma síntese de seus  horrores. Neles imperavam as normas rígidas, horários definidos, largos períodos de estudo e curtos recreios. Num dia normal havia no máximo uma hora de recreio, uma no meio da manhã e outro no meio da tarde, que correspondia ao horário do café. O resto do tempo se resumia a atividades controladas regidas por regras e a normas. De manhã cedo ( as 5,30 horas) levantava-se, as seis horas era   a hora da missa diária ,que durava uma hora e era rezada  em latim.A lembrança do gelo das manhãs de inverno até hoje fazem minhas pernas tremerem,pois, usar calças compridas era proibido .  As aulas iam das sete às 12,30 horas. O’ estudo’ era o espaço para estudar e fazer os deveres escolares. Quarenta meninas fechadas numa mesma sala de aula. De tarde banho e café e mais estudo. Às sete horas era servida a janta e às oito horas era a hora de dormir. O dormitório era comum a cerca de trezentas internas (havia dois). Cada aluna tinha sua cela, meia parede de madeira em três lados e uma cortina na frente. No verão,quando se ia dormir, o sol ainda estava alto. Era muito quente (como só Porto Alegre sabe ser) e no dormitório não havia nem sequer um  ventilador.Sem esquecer das orações.O pior de tudo era o controle, não havia privacidade, até no toalete havia sempre um urubu (assim chamávamos as freiras) de plantão. Pior que os urubus eram as sinetas que avisavam as mudanças de atividades. Lembro-me da minha felicidade quando roubei o badalo da sineta principal. Ficamos um dia ouvindo gritos das freiras ,mas não o   irritante badalar .Mais  mais sério  que o badalar era a hipocrisia.
Nos fins de semana, saia-se com a ‘bicha’, passeava-se pelo centro ou pelo parque da Redenção. Esse era o nome dado ao grupo de alunas que de uniforme, em pares de duas circulavam como os prisioneiros de Van Gogh. Foi o supremo vexame de minha adolescência. Quando um espetáculo ou uma palestra não tinha audiência, lá íamos nós as maiores carregadas pelas irmãs (como tapa buraco). Assim, pude assistir incríveis espetáculos e tediosas palestras. Foi no internato que aprendi a hipocrisia e a importância da luta constante pela liberdade!
Loraine Slomp Giron - Historiadora





quarta-feira, 3 de julho de 2013

POMBINHA



            Sempre fui contida no afeto aos animais. Os cachorros também, tem um só dono  e a ele são fiéis até a morte. Meu tio Aléssio tinha um cachorro policial chamado Tupi. Como o Hachi do filme Sempre a seu lado, (baseado em fato real) Tupi  o seguia seu  aonde quer que ele fosse. Quando meu tio morreu, Tupi fugiu de casa. Não foi mais encontrado. Uma semana depois, foi achado morto sobre o túmulo de seu dono. O fato emocionou meia Farroupilha.
Foram poucos, meus animais de estimação. Tive muitos outros, mas que adotaram meus filhos como donos. Meu primo Renoi e eu mais  que primos, éramos amigos e irmãos, passamos parte de nossa infância juntos na Forqueta.De manhã cedo  éramos  encarregados por minha mãe de ver quais galinhas tinham posto ovos, para recolhe-los . Foi assim encontrei Pombinha, no galinheiro. Era bem novinha e branca.Tão pequenina  que  parecia mesmo uma pombinha. Até dava umas voadinhas, de um poleiro para outro, aqueles voos rasteiros das galinhas. Enquanto meu primo fazia a coleta dos ovos, eu brincava com minha galinha. As galinhas como pássaros  em geral não se afeiçoam. Pombinha nunca gostou de mim. Sei de aves que amam seus donos. Na Forqueta, dona (Marga) Rita, tinha um papagaio que gritava o nome dela, cada vez que ela se afastava. Vivia  com a perna presa numa cordinha.Como gritava!
             Aos poucos, Pombinha cresceu, seu destino selado seria a panela.  Eu ficava pensando no jeito de salvar a pobre condenada. Um dia resolvi, soltei Pombinha no quintal do vizinho, por sinal meu tio. Pensei ela podia ganhar o mato e se salvar. Na manhã seguinte bem cedo fui ver por onde ela andava. Boba como só ela voltara ao galinheiro, no qual tentava entrar. Fiz-me de louca e deixei-a fora do cercado.  Não deu outra, na manhã seguinte encontrei alguns de seus restos manchados de sangue. A raposa, famosa comedora dos  ovos do galinheiro  havia mudado sua dieta.
            Fiquei triste e meio (não muito) responsável por sua morte! Então fiz seu enterro com grande pompa. Coloquei seus restos numa caixa de sapatos, envolta em papel de seda, disse algumas rezas em latim (que sabia de cor, mas não entendia). E a enterramos. Para evitar que alguém capinasse seu santo sepulcro, em torno dele enfiei alguns galhos de macieira recém-podada. Muito tempo depois às macieiras cresceram e deram flores e frutos. Um belo túmulo para uma galinha. Dai veio meu gosto pelas plantas, que não morrem tão facilmente como os animais.
Se eu fosse Esopo, poderia inventar  um lapidar adágio, que serviria de exemplo aos gregos e aos troianos. Seus provérbios sobre galináceos são pífios, ele não apreciava as galinhas. Preferia os galos. Imito  um que ele destinou aos ratos: “ Mais vale galinha magra no mato  do que  gorda na boca da raposa . Moral da história , salvei a galinha de uma morte certa e a condenei a morte incerta.
Loraine Slomp Giron - historiadora