Muitas vezes fico olhando para a medonha
garagem que substituiu o cinema
Ópera e me lembro dos anos ( e foi a maior parte da
minha vida) que vivi sob sua suas sombras
. Na minha casa havia o galinheiro que fazia
divisa com a parede lateral do cinema. .Naqueles tempos galinhas eram apenas
galinhas sem adjetivos. Bem no meio do galinheiro havia uma pereira cujo tronco
fora parcialmente queimado no incêndio do Apollo, em 1928. A pereira dava as
melhores peras que já comi firmes, verdes e sumarentas. Havia a macieira que
dava maçãs da Califórnia (aonde foram?) e pêssegos amarelos do tamanho de um
punho, dulcíssimos A sombra matutina do Apolo fazia bem para algumas plantas e
frutos.
Nas
noites de verão, subíamos no telhado para assistir filmes. As janelas do
cinema tinham tampos que ficavam abertas por causa do calor ,por
elas era possível divisar parte da tela.
Era uma alegria só. Não havia filmes proibidos, para nós. Também íamos ao
cinema nos matinê (assim eram chamados)
de domingos de tarde, e nas terças de
noite, chamado de Dia da Dama ,quando a
entrada era grátis para as mulheres.Era bom demais.
Havia
inconvenientes na sua vizinhança como os ratos e as pulgas. Os ratos invadiam nossa
casa,para detê-los havia ratoeiras na cozinha e na despensa. Vez por outra, um
rato era apanhado na ratoeira, então era morto por afogamento ou pancada. Eram
tempos pragmáticos, não havia lugar para medos ou frescuras. Em 1950 foi feita
uma grande reforma e o Apolo virou Ópera, com menos ratos e menos pulgas antes.
Durante
52 anos acompanhei o Cinema, dia a dia. Nele assisti grandes filmes, seriados, óperas, espetáculos musicais,
festivais e aprendi muito sobre cinema e sobre a vida. Como tudo que é sujeito ao tempo, também cinema ficou velho. Precisava
de reformas e a proprietária preferiu vende-lo. Então foi fechado. A população se reuniu
e o abraçou o. De nada adiantou A Prefeitura e a Universidade que poderiam tê-lo
salvo
fizeram-se de mortos.
Assim,
na véspera do Natal de 1994, ele foi criminosamente incendiado. Assisti seu fim. Acordei de noite com o ruído de uma explosão.
Fui à janela e as chamas começavam a sair pelas janelas do terceiro andar (onde
ficava a coréia) .Alguns indivíduos
estavam pulando o tapume que havia sido
posto para sua demolição. Sofri muito com sua perda, como a de um ente querido Naquele
dia cozinhei o peru natalino sob o rescaldo do incêndio. Para mim aquele foi um dos mais tristes natais. O inquérito nada
apurou. Os culpados pelo incêndio nunca foram encontrados, nem os responsáveis,
Esses todos sabiam o nome. Hoje estão tão mortos como o cinema.
O
cinema virou uma horrenda garagem pela inépcia de poucos e a tristeza de
muitos. Até hoje sinto sua falta e daquilo que ele representou durante tanto
tempo, uma verdadeira casa da cultura. Não era preciso inventar uma, pois, ela já
existia, estava ali na esquina da Montaury com a Pinheiro.
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