quinta-feira, 4 de julho de 2013

PRISIONEIROS DE VAN GOGH

            




Quem já viveu num internato sabe o que é a  perda da liberdade. No século passado as escolas eram raras. Em 1950, em Caxias havia poucas escolas médias ( parece mentira). Havia o curso comercial para o meninos, no Carmo e o curso Normal ( para professoras primárias) no São José e na Escola Normal Duque de Caxias .Em outros municípios nem essas  existiam. Havia mais escolas para meninos do que para as meninas, pois a formação parecia descabida para as moças. As que estudavam eram mal vistas. No mundo permissivo de hoje não é possível imaginar como era duro ter nascido mulher!
As alunas (cujos pais tivessem meios) eram mandadas para o internato, lugar muito semelhante aos presídios. Para quem não viveu tal experiência vale uma síntese de seus  horrores. Neles imperavam as normas rígidas, horários definidos, largos períodos de estudo e curtos recreios. Num dia normal havia no máximo uma hora de recreio, uma no meio da manhã e outro no meio da tarde, que correspondia ao horário do café. O resto do tempo se resumia a atividades controladas regidas por regras e a normas. De manhã cedo ( as 5,30 horas) levantava-se, as seis horas era   a hora da missa diária ,que durava uma hora e era rezada  em latim.A lembrança do gelo das manhãs de inverno até hoje fazem minhas pernas tremerem,pois, usar calças compridas era proibido .  As aulas iam das sete às 12,30 horas. O’ estudo’ era o espaço para estudar e fazer os deveres escolares. Quarenta meninas fechadas numa mesma sala de aula. De tarde banho e café e mais estudo. Às sete horas era servida a janta e às oito horas era a hora de dormir. O dormitório era comum a cerca de trezentas internas (havia dois). Cada aluna tinha sua cela, meia parede de madeira em três lados e uma cortina na frente. No verão,quando se ia dormir, o sol ainda estava alto. Era muito quente (como só Porto Alegre sabe ser) e no dormitório não havia nem sequer um  ventilador.Sem esquecer das orações.O pior de tudo era o controle, não havia privacidade, até no toalete havia sempre um urubu (assim chamávamos as freiras) de plantão. Pior que os urubus eram as sinetas que avisavam as mudanças de atividades. Lembro-me da minha felicidade quando roubei o badalo da sineta principal. Ficamos um dia ouvindo gritos das freiras ,mas não o   irritante badalar .Mais  mais sério  que o badalar era a hipocrisia.
Nos fins de semana, saia-se com a ‘bicha’, passeava-se pelo centro ou pelo parque da Redenção. Esse era o nome dado ao grupo de alunas que de uniforme, em pares de duas circulavam como os prisioneiros de Van Gogh. Foi o supremo vexame de minha adolescência. Quando um espetáculo ou uma palestra não tinha audiência, lá íamos nós as maiores carregadas pelas irmãs (como tapa buraco). Assim, pude assistir incríveis espetáculos e tediosas palestras. Foi no internato que aprendi a hipocrisia e a importância da luta constante pela liberdade!
Loraine Slomp Giron - Historiadora





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