sexta-feira, 2 de agosto de 2013

TUDO MUITO SIMPLES




Antônio era um solteirão que amava as crianças. Tinha um carinho todo especial pelas as meninas púberes, imigrante italiano, ele ocupou alguns cargos políticos na velha Nova Vicenza. Um dia conheceu uma viúva que tinha duas filhas pequenas. Ele logo percebeu o potencial daquele casamento e como o professor Humbert Humbert  ,de Lolita (Nabokov,1997) atirou-se de cabeça na nova união. Quem me contou essa história foi uma senhora centenária, sem qualquer tipo de juízo de valor. Como algo muito natural e comum, apenas mais um fato.
Enquanto as enteadas amadureciam, aparentemente, foi bom marido. Nada faltava à família, o novo casal não teve filhos. Passados poucos anos quando a menina mais velha completou 12 anos, o padrasto a violou. Ao que tudo indica não houve traumas maiores e a ignóbil relação continuou por três anos. Nem a mãe nem a irmã perceberam o que acontecia, ou preferiram não perceber, disso eu não sei. Pouco tempo depois ela se casou. Um dia chegou à vez da filha mais nova, ter a idade certa, e, mais uma vez, tudo se passou como da primeira vez, de forma supostamente tranquila. Um dia a menina começou a engordar, a mãe descobriu que ela estava grávida. Não dava mais para disfarçar, algo de grave havia acontecido. Antônio não teve dúvidas, imediatamente se pôs em campo e conseguiu um bom marido para sua ‘filha’. Ajudou em tudo,  e os dois casarem.
 Tudo parecia ir bem, até que seu filho começou a crescer. Como aconteceu com o Ezequiel de Dom Casmurro (1899, Assis) o menino era a cara de Antônio, ‘cara de um focinho do outro’, não havia como esconder. Como diz o bom Machado : ’ Nem só os olhos, mas as restantes feições, a cara, o corpo, a pessoa inteira, iam-se apurando com o tempo. Era como um debuxo primitivo que o artista vai enchendo e colorindo aos poucos. Enfim copiando o autor: era o próprio, o exato, o verdadeiro Antônio. A diferença era apenas idade, um mais novo outro mais velho, no restante, idênticos em tudo, até nos mínimos detalhes. Este era aquele.
Não havia quem não percebesse a semelhança: sua esposa, seu genro e a Vila inteira. Ninguém tinha dúvidas de quem era o pai. Engana-se quem pensa em tragédia! Não houve violência nem mortes acidentais, apenas a vida passando dia a dia. Viveram felizes até o fim de seus dias. Um dia Antônio morreu de velhice e virou escola.  Seu filho se tornou motorista e dono de uma colônia, pois, ao morrer o pai legou-lhe um bom pedaço de terra. Segundo Machado: ‘Eis aí mais um mistério para ajuntar aos tantos deste mundo.  Qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos’. No mais, no dia em que os homens (e as  mulheres) forem decifrados, não haverá mais necessidade de romancistas!

Loraine Slomp Giron - Historiadora

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