Nada
como viver muito para ter muitas lembranças. Na memória há todas as neves vistas
e vividas. Como cartões postais algumas são um pouco apagados pelo tempo, outras claras
como foto recém revelada ( ou impressa) .A memória reproduz as neves do passado
A
primeira imagem da neve data de 1941. Lembro-me das pegadas negras traçadas na
neve branca, na paisagem branca de Forqueta. Tão nítida é a imagem que ainda
hoje poderia desenha-la. Não tenho lembranças anteriores.Em 1946, meu pai me
deixou na porta do São José ,onde eu estudava .Quando ia entrar na sala a
professora vendo que havia poucos alunos disse que não passaria matéria
nova.Então não tive dúvidas, sai da escola e fui curtir as neve. Fui à casa de
uma colega que morava perto da escola e ficamos matando tempo. No final da aula
(ou da gazeta) voltei para casa como se nada houvesse acontecido. Assim posso
me lembrar dos murros nevados e das flores da praça cobertas de neve.
Lembro-me
de outras nevadas, em 1967 ,quando estava dando aula ,em uma sala da antiga
Faculdade de Filosofia (onde hoje é a mitra)quando começou a nevar. Dispensei
os alunos para que pudessem assistir a nevada. A neve caia belíssima sobre o
telhado da Catedral. Lembro-me de um junquilho amarelo saindo da neve, como uma
jovem encapotada de branco, no Parque dos Macaquinhos. Coberto com uma manta de
neve alvíssima, o mundo parece perfeito. A neve faz o milagre de transformar o
frio em beleza. Lastimo que não houvesse então (nos tempos das neves de antanho
) a facilidade das fotos digitais e o conforto da Internet. Hoje de madrugada,
quando me levantei olhei pela janela e estranhei a cobertura branca sobre as
minhas folhagens. Pensei que alguém tivesse estendido um plástico sobre elas
para protegê-las do frio, era a neve. Liguei o computador acompanhei a neve
pelo mundo virtual. Tantos tinham postado imagens que consegui vê-la por meio
de outros olhos. Tempos de contatos imediatos virtuais, ao abrigo do frio.
A
maior nevasca da minha vida ocorreu em 1991, em Budapeste. Fazia menos de 14
graus C (abaixo de zero). A neve era tanta, que minhas botas gaúchas
simplesmente se desmancharam. Fiquei com os pés no chão. Sem saber falar uma só
palavra de húngaro (nem de alemão a segunda língua de lá) entrei na primeira
loja de calçados que encontrei e comprei por meio de sinais umas botas que
resistiram à neve ( e durou mais de vinte invernos). O rio Danúbio
que passa entre Buda e Peste tinha blocos de gelo do tamanho de dois andares. Nunca
vi e creio que nunca mais verei tanta neve. Para nos aquecer compramos uma
pequena garrafa de barasca (palinca) feita de damasco que levávamos
no bolso ,e de quando em quando, tomávamos um gole.É incrível , o frio impede
que se fique bêbado. Mas em compensação esquenta.
É
pena, que para os pobres não seja vista apenas a beleza da neve. O frio dói, e
quanto!
Loraine
Slomp Giron Historiadora
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