SEA
DELINA
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Ex escravos após a abolição. 1890 |
Outrora,
em Caxias, havia o costume de chamar as empregadas domésticas provenientes dos
campos das vacarias de Sia ou Sea.
A origem desse costume deve estar ligada a palavra Sinhá, que era a forma como
os escravos chamavam suas donas. Por derivação as serviçais passaram a ser
chamadas de Siás.
Não
sei qual era seu verdadeiro nome, nem se tinha sobrenome, era chamada de Sea Delina.Vivia na casa de um vizinho nosso. Havia sido escrava,
deveria ter cerca de 80 anos em 1940, já não o era, mas ainda era tratada como
tal. Ela sempre comia depois dos donos da casa, após ter servido as refeições. Cozinhava
como poucas. Seus bolinhos de arroz e as broas de milho eram (e são)
inigualáveis .Ela só comia os restos. Diariamente, eu a via comendo num prato
de latão na escada externa da casa vizinha. Quando a chuva era muita, comia na escada interna que levava à seu
quarto no porão.
Na
nossa casa as empregadas e as pessoas que nela trabalhavam dentro ou fora independente da cor ou da raça comiam na mesa
com a família. Isso era válido para as visitas (de múltiplas colorações e
classes) que chegavam por acaso na
hora do almoço. Na mesa da casa de meus pais, sempre havia lugar para mais um e
mais um prato de comida para o visitante extemporâneo. Lembro que na casa de
meus avós (paternos) o costume era o mesmo. Para os imigrantes repartir o pão (ainda
que fosse pouco) era costume milenar, da mesma forma que a sua fome.Dizia minha mãe:”Nunca se deve negar um prato de
comida.”
Mas
voltando a Sea Delina um dia a minha curiosidade foi demais e não aguentei. Pulei
a cerca que separava nossas casas e perguntei a Sea Delina porque ela não comia
na mesa com os da casa. “Os brancos são assim, gostam de separar” ela me
respondeu com sua voz baixa e seu jeito meigo. Mas eu retruquei “Sea nós somos brancos,
mas lá em casa todos comem na mesa”. Ela finalizou a conversa: “Fia, eles são
de outro tipo de brancos”. Ela entrou e foi tratar da vida. Eu não entendi o
que ela havia dito. Fiquei matutando sobre os tipos de brancos que existiam, mas
suas palavras aderiram à minha memória.
Muitos
anos depois percebi o fosso que existia entre os pobres imigrantes donos de um
lote rural e os ricos latifundiários, e o muito que separava os donos de
escravos e os donos do próprio trabalho. Entendi então, que Sea Delina com sua
humildade me dera uma lição.
Para
concluir a história, na casa do vizinho havia um enorme pé de camélia (o maior
que eu já vi até hoje) que ultrapassava o telhado da sua casa de madeira, de
três pavimentos. Muitos anos depois fiquei sabendo que a camélia era à flor dos
abolicionistas. Um pé de camélia definia seu dono como abolicionista, e, no
caso, como são grandes as incongruências dos homens.
Loraine Slomp Giron Twitter:
loslomp Blog :historiadaquiblogspot.com
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