quarta-feira, 16 de julho de 2014

AS CORES DA COR



Minha terra tem mil cores. Todas as cores são belas. Alguns gostam do verde outros do amarelo.Os que inventaram a bandeira nacional misturaram gostos antagônicos. Não ficou linda? Pois é. A beleza das cores depende dos olhos de quem as vêm. Por exemplo, eu gosto do marrom, assim para mim os seres que tem essa cor são os mais bonitos do mundo. Não é por outro motivo que se vai à praia para se bronzear. Nos tempos antigos, nem tão antigos assim, quando se queria designar um afrodescendente dizia-se que era um “homem de cor”. Como se os outros homens, ou seja, os brancos e pardos, não tivessem cor. Eufemismo para não chamar alguém de negro, para evitar ser ofensivo. Como se cor fosse ofensa. A cor é uma qualidade que faz parte da identidade de cada um.
Até os caxienses nativos tem cor.  Não faz muito tempo, ouvi duas baianas, ambas pardas falando dos caxienses. Dizia uma delas: “Que cor esquisita eles têm, são rosados, não brancos”, a outra completou” Vermelhos, isso sim”. Caminhando atrás delas , num dos caminhos da UCS, comecei a rir sozinha,pois estavam dizendo a pura verdade. Dizia uma crônica antiga que li (não sei onde) sobre a cor dos nativos de Caxias,pela qual eram famosos! O rosado da pele dos caxienses se deve mais a altitude e ao frio (do que ao vinho que também  ajuda). Para os baianos a cor dos locais deve parecer  esquisita. Nem por isso, os baianos  podem ser taxados de racistas.
Tenho uma experiência pessoal sobre isso. Eu nasci na Forqueta lá (quando eu era pequena )não havia negros. Seu Borges o guarda-chaves e sua família não eram brancos, tinham uma linda cor bege. Conta-se que quando construíram a estrada de ferro (em 1909) havia vários afros no pequeno povoado, mas  foram embora com os trilhos, que iam assentando. Assim quando aos cinco anos vim morar no centro de Caxias bem ao lado do Cinema Apollo (depois Ópera) nunca tinha visto negros. Levei um tremendo susto, quando vi uns meninos escuros como a noite. Pensei que estavam mascarados.Em pouco tempo tudo mudou , minha mãe tinha amigos da família Veríssimo que eram retintos e a visitavam seguidamente. Tomavam café conosco, vi então que não tinham mascaras , eram feitos assim mesmo , de natureza. Passei a acha-los bonitos, assim tão mais coloridos do que nós.
Quando os imigrantes italianos por aqui aportaram viram negros descarregando os navios no porto. Muitos deles nunca tinham visto pessoas desta cor. Alguns deixaram memórias sobre o estranhamento que sentiram. Contava meu pai, que meu bisavô tirolês pensava que eles eram pintados, e que perdiam a cor quando mexiam nas coisas. Daí suas mãos serem brancas. A ignorância não é a oitava virtude?  Para os africanos a recíproca deve ter sido verdadeira. Penso no espanto que  os africanos tiveram  quando viram pela primeira vez um branco. Deviam acha-los medonhos. Tanto é que em algumas de suas tribos matavam os albinos, que nelas nasciam de puro medo!Isso não é lenda!
Na antiga colônia Caxias era proibido ter escravos, assim os diretores de colônias e os fazendeiros que vieram morar aqui tiveram de deixa-los na capital. Na terra caxiense não havia então pretos, apenas os rosados e os morenos. Para servi-los  arrumaram empregadas  brancas. As loiras imigrantes conseguiram seus primeiros empregos.. Sua cor rosada foi apreciada pelos morenos fazendeiros, muitos se casaram com elas. Terminada a colônia (em 1884) começaram a chegar africanos em busca de emprego na  então chamada Santa Teresa de Caxias.
Logo depois, em 1888, quando acabou a escravidão, os recém-libertos procuraram outros caminhos que não os do serviço do campo. Poucos ficaram nas fazendas de seus antigos donos, alguns procuraram trabalho em outras  fazendas,mas muitos deles preferiram o trabalho na cidade. Em Caxias eles foram viver nos morros remotos e não povoados .Um era o  Morro do  Cemitério (onde nem cemitério havia)  o outro o   Burgo (logo chamado de África).  Aqui encontraram trabalho na Intendência e nas pequenas empresas. 
Com chegada da estrada de ferro,em 1910 , vieram os funcionários da Viação Férrea, que viviam próximos dela na Vila dos Ferroviários. Há ainda duas casas desta Vila próximas da antiga Estação Férrea. Os ferroviários em sua grande maioria eram africanos de origem. O número da população de cor (leia-se negros e pardos) chegou a 2% do total da população local, em 1920.
Em 1928, chegou o Quartel (assim era chamado o grupamento militar). Com ele vieram soldados e tenentes de vários lugares e cores. Conta-se que, então que os caxienses de origem imigrante tiveram de suportar a dura concorrência dos militares As jovens caxienses apaixonaram-se pelos garbosos militares e muitos foram os casamentos mistos (eram assim chamados). Nas fotos de Mancuso desta época veem-se pálidas jovens de braços com escuros e belos tenentes. As cores e a cor não mudam os corações apaixonados.. Na cidade havia mais homens do que mulheres. Com os militares a população masculina dobrou. Grave problema! Graças aos militares, foi criado o Clube Gaúcho, em Caxias, que reuniu a nata dos afrodescendentes da cidade (sem falar em racismo que é outra história). Muitos brancos fizeram parte do Clube entre eles o professor Mario Gardelin, um de seus fundadores.. Em 1940 já havia 8% de afrodescendentes na cidade.
Mais tarde, na década de setenta populações dos Campos de Cima da Serra jorraram sobre a cidade. Foi quando o capitalismo chegou à pecuária. Centenas de bairros surgiram para abrigar os campeiros de todas os tons de cor ,como o Santa Fé, o Braga, o Fátima  e outros. Para se ter uma ideia, em Caxias há hoje mais bonjesuenses do que em Bom Jesus.
Brasil foi construído pela imigração e pelos imigrantes. Por migrantes de todas as partes e cores. Não é de estranhar que essa terra de liberdade receba hoje outros povos que precisam de abrigo e de trabalho. Mais do que qualquer outro país,O Brasil  é o cadinho (viva Aroldo de Azevedo) no qual se miscigena e cresce uma das populações mais belas do mundo. Como bem disse Rosa (Guimarães) “O mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, mas que elas vão sempre mudando”. Com a imigração o país inventou e inventa sempre novos tons  de brasileiros. Portugueses, espanhóis, alemães, russos, suíços, suecos, austríacos, franceses e italianos quantos mais! Conseguiram abrigo aqui para sua fé e terra para alimentar seus filhos. Até os imigrantes forçados como os africanos conseguiram sobreviver aqui, ainda que mal tratados.
No século XXI não é de estranhar que tenham chegado novos imigrantes de várias etnias, seja da Republicana Dominicana ou do Senegal. Regiões sofridas, atingidas por cataclismos naturais e políticos. A imigração é parte da divisão internacional do trabalho, na qual ocorre a transferência da mão de obra de um país para outro. Não foi em busca de terras e trabalho que vieram os imigrantes italianos? Não é de se estranhar que outros povos façam a mesma coisa.
Se o auriverde Brasil se tornou a Pátria Amada para tantos estrangeiros. Poderá se tornar para tantos outros. Fala-se muito da diferença de raça, de cor, de língua e de costumes. Por que não se fala da semelhança dos sentimentos, das necessidades e das dificuldades comuns a todos os homens? .Como diz Rosa (a Vermelha) vale a pena lutar “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. Afinal, sonhar é preciso!  



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