sábado, 29 de novembro de 2014

PRAIAS DE OUTRORA



Desde minha mais tenra idade frequentei o litoral. Os moradores da serra desde sempre tiveram uma atração muito grande pelas praias.De certa forma ao virem da Itália os seus antepassados atravessaram o Atlântico .
Desde os primeiros anos da chegada ao Brasil os imigrantes italianos em carro de boi, mais tarde em automóveis e muito mais tarde de ônibus fizeram do litoral seu paraíso perdido. Velhas fotos revelam os colonos na praia, em geral em Torres ou em Capão da Canoa. O porto alegrense iam para Cidreira e Tramandai. Na década de trinta e de quarenta do século passado,não havia transporte coletivo.As pessoas contratavam caminhões de carga,ou compravam imensos utilitários para realizaram a calamitosa viagem, de Caxias ao litoral.
A estrada era a velha da Serra do Pinto, sem calçamento e tão íngreme quanto se possa imaginar. Junto com colchões  onde dormiam as crianças,os motoristas levavam as correntes para os pneus. As correntes eram um equipamento indispensável para as viagens, pois com chuva só com elas as estradas podiam ser transitadas.
A viagem para as praias (sempre no plural) começava às quatro da manhã. As crianças carregadas como pacotes e estendidas em colchões. Viagem sem colchão? Nem falar. Lembrem-se que não eram colchonetes , o plástico e suas espumas   não eram nem imaginados.Eram  tremendos, feitos de lã  pesados como só eles.Ao meio dia comia-se a farofa   fria de galinha, pois viagem sem farnel eram impraticável. Era água, chá, café em garrafas térmicas (essas existiam), vinho e tudo o mais que fosse bebida necessária para a longa viagem. Chegava-se ao anoitecer, depois de doze (se tudo corresse bem) ou quatorze horas de viagem,
Contavam os antigos que de carro de boi a viagem levava de quatro dias a sete dias. Era uma epopeia. Comparando com a deles a nossa viagem de doze horas era muito rápida.
Para compensar a longa distancia, os veraneios eram mais longos. Menos de trinta dias era inimaginável. Algumas vezes duravam meses. Os colonos jamais tiravam férias em fevereiro ou março era em dezembro ou em abril. Quando os hotéis estavam vazios.Os hotéis eram semelhantes a pousadas ,Tinham um salão para as refeições e pequenos chalés de madeira com duas peças ou três para os hospedes .Os hotéis preferidos pelos colonos era o Bassani em Capão da Canoa e o Sartori em Torres. Serviam três refeições por dia por módicos preços. Fora da alta temporada os preços caiam. Observa-se que alguns imigrantes já tinham se instalado no litoral no fim do século XIX assim os de Caxias procuravam seus compatriotas para veranear em seus hotéis.

Hoje a marca da colônia do Litoral é clara,basta ver Curumim, Arroio do Sal , Areias Brancas cujo povoamento se deve aos serranos.As praias ficaram mais próximas no espaço e no tempo.

sábado, 22 de novembro de 2014

FANTASMAS E ASSOMBRAÇÕES


           

  Quando eu era criança bem pequena, eu via fantasmas. Eram figuras transparentes com caras medonhas que se espalhavam pelo teto de meu quarto. Eram seres parecidos (sei agora) com o Gênio da lâmpada de Aladim no desenho da Disney. Então abria  tal  berreiro que acordava a todos. Minha mãe dizia que eu tinha sonhado, mas nada disso, eu estava bem acordada. A  coisa era  assustadora  e a recordo até hoje.
Depois com a idade os fantasmas sumiram, então passei a inventar alguns deles. Adorava assustar minha irmã e minha prima, bem mais novas  do que eu ,com a aparição de um fantasma que eu chamava de  Fada. A Fada era um aparição minha fingindo ser um fantasma muito branco que dava ordens malévolas paras duas pequeninas. Elas morriam de medo da Fada,ou seja de mim.
A fada era tão maldosa que mandava as pequenas enterrar moedas afirmando que eram sementes de árvores de dinheiro. As crianças enterravam suas moedas e eu as colhia.. Outra coisa que gostava de fazer  remédios,macerava plantas e frutas e dava para elas tomarem. Por incrível que pareça elas nunca adoeceram. Eu era como se pode ver mma completa malvada.
Muitos anos depois inventei histórias de  fantasmas para alegrar meus filhos, com histórias apavorantes. Eram então os gênios que faziam os trabalhos para os outros, especialmente para os pobres. Mais tarde contava histórias de fantasmas também  para meus netos. Também eles acreditavam nos meus fantasmas e inventavam seus próprios fantasmas. Para então ter medo deles.
.   Com o tempo minhas histórias mudaram um pouco. Ao contrário das histórias  que eu contava que tinham objetivo de assustar ,, as novas  antigamente tinham caráter moral.Davam exemplos de como ser melhor e de como auxiliar os outros.
De uma forma geral as histórias infantis são cruéis. Tratam do abandono de crianças pelos pais, que as deixam em florestas, onde há bruxas que literalmente  comem as criancinhas.. Há outras histórias infantis com bruxas malvadas mas onde o fim da história muda seu curso e tudo acaba bem .Mas há outras terríveis  como a  história de Joãozinho e Mariazinha, de maldade sem explicação.Não há sensação pior para uma criança do que o de  ser abandonada pelos pais.
Desde pequenos somos condicionados ao mundo cruel,mundo que alimentamos e somos por ele alimentados.  Isto me levou a refletir sobre a importância do medo na vida humana.  Afinal o medo dirigiu (e dirige ) o mundo. O   demônio e as leis ,movem as  religiões e o  Estado .Ambos se  baseiam em normas restritivas e punitivas. Afinal não é o medo do inferno ou do castigo  o que dirige as ações humanas? Como  afirma Durkheim  “A religião não é somente um sistema de ideias ,antes disso ela é todo um sistema de forças”Isso vale para o Estado!


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

NOVO TEMPO





Igreja Católica só reconheceu a existência de movimentos sociais após o Concilio Vaticano II (1962-1965) convocado pelo Papa João XXIII. Antes os papas se comunicavam apenas com os chefes de Estado ,fossem eles quem fossem  .Assim eram recebidos ditadores e assassinos,bastando para isso que estivessem chefia  de uma nação( fosse imposto ou eleito).
No passado, pretendendo ser neutra a Igreja foi um instrumento de poder para os mais ricos. Com o Concilio e  as conferencias de Medellín e de Puebla nascia uma igreja  para todos,voltada  para a fome do mundo e para os pobres.Mas nem tudo correu como o desejado.
O santo João Paulo II foi um dos papas que mais se valeu do poder da Igreja para influenciar o mundo. Tanto na queda do comunismo como no recuo da Teologia da Libertação. Julgava ele que esse era a origem dos males do mundo. Vencidos o comunismo e a Teologia uma realidade se impôs, a miséria continuava soberana no mundo.
Tudo mudou com a eleição do Papa Francisco, homem do fim do mundo, como ele mesmo se chamou. Em dezembro de 2013 foi convocado pelo Vaticano o simpósio As emergências dos excluídos, dele participaram dele representantes dos movimentos sociais da América Latina. Como decorrência daquele simpósio foi convocado e realizado o Encontro Mundial de Movimentos Populares, nos dias 27, 28 e 29 de outubro passado. Foram convidados os líderes do MST e Via Campesina, representantes da Central de Movimentos Populares, Levante Popular da Juventude, Coordenação Nacional de Entidades Negras,  Central Única dos Trabalhadores Movimenta de Mulheres Camponesas e até um índio Terena.  Compareceram mais de cem líderes de movimentos sociais, trinta bispos e cinquenta agentes pastorais. Eu Morales foi um dos participantes (não como presidente da Bolívia) como líder indígena que foi dos plantadores de coca de seu país. Por sinal ele é o primeiro presidente indígena da América, advindo de movimentos sociais.
O evento teve como objetivos apresentar o pensamento social do Papa Francisco, elaborando uma síntese da sua visão dos movimentos populares, e sobre a crescente desigualdade social e exclusão, bem como refletir sobre a organização dos movimentos populares, propondo alternativas para enfrentar os problemas causados pelo avanço da miséria no mundo.
Pela primeira vez na história da Igreja que um papa convocou líderes de movimentos sociais para um encontro. Não há dúvidas é um novo tempo no Vaticano, uma aurora de mudanças. O Papa afirmou no Encontro: “Quando eu falo de terra, teto e trabalho dizem que o papa é comunista.” O Papa pode não ser comunista, mas não há dúvida é o mais avançado de todos os papas. 



sábado, 8 de novembro de 2014

O CHICOTE











Vivi em meus primeiros anos em três casas. As peças de cada uma estão fixadas em minha mente como numa planta bem desenhada pro um arquiteto. Lembro-me de cada móvel e de cada e de cada quadro. De cada peça e de cada louça. Essa lembrança sem palavras, feita de imagens apenas parece negar a afirmação que sem palavras não há pensamentos. Há sim e muitos. Há sonos falados, mas em geral eles são mudos. São cheios de símbolos dos quais as palavras são excluídas. Assim são algumas lembranças mudas e simbólicas. Para Freud os sonhos são a matéria prima para o estudo dos pensamentos oníricos latentes. Para ele, ”O sonho representa a realização de um desejo.” Enfim lembranças são a matéria prima dos sonhos, ou melhor, são sonhos que se pensa acordado.
O chicote ficava pendurado numa pequena despensa, cuja porta abria para o lado do Cinema Ópera, por onde os ratos passavam. O cinema Apollo (assim se chamava) era  o seu viveiro.Meu pai tinha encontrado o chicote na estrada,provavelmente perdido por um carreteiro. Era de couro trançado com uma tira única forte e resistente. A chegada do chicote foi comemorada por minha mãe, que logo me informou que eu seria a principal usuária. Naqueles tempos bater em crianças era a norma, era uma questão de disciplina. Antes eu apanhava de chinelo, com a vinda do chicote a surra seria mais violenta. Apanhei algumas vezes com o novo instrumento de tortura, mas nada mais do que duas ou três lambadas.. Sempre me pareceu uma grande injustiça um adulto bater em criança. Nunca fui favorável aos castigos físicos tanto é que nunca bati em meus filhos, nem em criança alguma Mas era assim que se educava antigamente.
Também na escola (estudei no São José) os castigos físicos existiam. Uma das freiras batia nas mãos das alunas e outra (uma louca) batia na cabeça delas com uma régua. Isso ninguém me contou, eu mesmo vi. Nenhuma irmã me bateu, mas não sei o que eu teria feito se alguma o tivesse feito. Havia outros castigos, desses recebi vários. Um deles consistia em colocar a infratora  atrás da porta durante as aulas. Outro era colocar milho no chão e mandar a vítima se ajoelhar sobre os grãos. Isso era muito dolorido e os joelhos ficavam inchados.
Apesar das mudanças no ensino e nas normas punitivas que ocorreram no século XIX em pelo pleno século XX os castigos existiam na educação brasileira. Segundo Del Priore, a religião judaico-cristã sempre foi  favorável a uma  educação baseada em castigos físicos, considerados como  forma segura de educar. Julgava-se que amar é castigar os erros para dar exemplo de uma vida cristã. Há até um provérbio "Quem sabe amar, sabe castigar", que garante a validade da prática dos castigos.  Coisas de antigamente, coisas sádicas isso sim!
Estudos recentes comprovam que os castigos foram contraproducentes tanto na aprendizagem quanto na vida. Enfim o chicote da minha infância serve como símbolo de um tempo, no qual se acreditava que amar era judiar. Triste convicção!

Loraine Slomp Giron Historiadora

sábado, 1 de novembro de 2014

ÓDIOS


            





Muitas vezes se fala odeio tal pessoa, ou odeio isso e aquilo. Na verdade é apenas uma hipérbole. Figura de linguagem que significa exagero. Exagerar faz parte do psicodrama diário em que se vive e serve para expurgar fantasmas e tristezas. Há qualquer coisa de profundo no pensamento deeramn  Herman   Hermann Hesse quando diz: ”Quando odiamos alguém, odiamos em sua imagem algo que está dentro de nós.” O que significa que se odeia outro o que existe em nós de ruim.
Poucas vezes conheci o ódio verdadeiro, aquele definido em dicionário como: “Sentimento de profunda inimizade; paixão que conduz ao mal que se faz ou se deseja a outrem. Ira contida; rancor violento e duradouro.”.
No sábado passado, véspera do segundo turno, tive o desprazer de vivenciar a ira e o rancor mais profundo em um ser humano. Passávamos pela Rua Pinheiro Machado, na altura da Rua Coronel Camisão, eu de carona com meu filho com a bandeira da Dilma flutuando sobre o carro. Quando fomos abordados por um cidadão que passava de bicicleta bem do ao lado do carro. Ele  
começou a vociferar afirmando que meu filho não tinha direito de levar a bandeira de ladrões e que ele não tinha moral por apoiar tal bandida, que defendia o assassinato! Fiquei agredida pela ira que existia no coração daquele ser. Nunca tinha visto o ódio em pessoa. Foi algo horrível! Como é possível em uma democracia odiar um candidato a um cargo eletivo que nunca lhes fez mal.

Em outros tempos quem merecia o ódio eram os judeus e os não católicos em geral. Mais tarde, mais ódios, agora contra os afrodescendentes nos USA e na União Sul Africana. Quem não se lembra do holocausto?Fruto do ódio aos judeus.
Após a Segunda Guerra foram os comunistas os grandes perseguidos e mortos. Veja o que foi feito no Chile, na Argentina e no Brasil. Agora no Brasil o bode expiatório tem nome: é o PT. Tudo é culpa dele. Os culpados se eximem de suas próprias culpas. Desta maneira sempre há alguém para culpar pela situação geral, da qual todos somos responsáveis. Fica mais fácil delegar  culpas e responsabilidades,não é mesmo?
Na verdade o que se assiste hoje é um pais dividido pela ideologia. Uma divisão sem lógica e irracional. As eleições do segundo turno ratificaram tal divisão. Diz um articulista  que é uma luta de classes. Eu diria que é uma guerra de modelos. Quem acredita num país para os ricos discorda dos que querem um país para todos, com os pobres incluídos pelos programas sociais. O resto é conversa. Rancores à parte penso em Martin Luther King, tão odiado que foi assassinado, quando diz: ”Tenho visto demasiado ódio para querer odiar”. Seria bom pensar nestas palavras!