segunda-feira, 9 de maio de 2016

METAMORFOSE


            







Naquela manhã gelada de abril de 2016, Loraine K foi avisada que já não mais existia. Saiu de casa com o objetivo   de avisar a empresa de televisão acabo que não precisaria fazer a visita agendada porque o problema havia sido resolvido pelo neto. Simples caso de um cabo desligado. 
            Caminhando pela rua envolvida pelo cortante vento polar, Loraine K pensou que seria tarefa fácil. A empresa era próxima do local onde fora fazer massagem. Em dois minutos, depois de dar o recado, poderia voltar para casa e para o aconchego do ar-condicionado. Mal sabia que seu mundo logo seria virado pelo avesso.
            Na agência da TV por assinatura ela apanhou a ficha e aguardou 20 minutos na fila. Finalmente conseguiu chegar à atendente, que a recebeu com a simpatia e a compleição de um gorila. ”Qual é seu problema?”, perguntou. Loraine K respondeu: “Nenhum. Só quero cancelar a visita do técnico à minha casa”. ”Passe-me os documentos!”, gritou. Loraine K disse calmamente: “Eu não trouxe os documentos, pois só vim avisar do cancelamento da visita”. Informou seu endereço, CPF e de contrato, Segundo a atendente, tais dados eram insuficientes. Ela deveria ter em mãos os documentos. Para concluir, falou com autoridade: “A senhora ainda não sabe? Quem não tem documentos não existe.” Sem os documentos que comprovassem a sua existência, Loraine K ficou sabendo que havia sido substituída por papéis. Ela própria deixara de existir.
            Tentou ainda inutilmente explicar para a troglodita que nada devia e nem queria comprar nada; só avisar que não precisavam passar em sua casa, pois nada havia para consertar. Depois muito insistir, Loraine K conseguiu que a atendente acessasse o sistema com o número de CPF. Levaram outros vinte minutos para resolver o grave impasse.  Perguntou “Está tudo certo?” A atendente respondeu: ”Longe disso! Estou só conferindo seus dados.” Meia hora depois, Loraine K sai de lá extenuada, menos pela hora perdida que pela lógica do sistema para a qual o “cogito” de Descartes: “Penso logo existo” inexiste. O pensamento se metamorfoseou em: “Registro logo existe.”.
            Já não basta existir. Agora é preciso documentar a existência.Agora ser  é ser papel. Loraine K viveu mais uma parábola kafkiana. Como diz um sábio anônimo da Internet: “Burocracia: A Arte de converter o fácil para o difícil através do inútil”. Ou, nas palavras de Eugene McCarthy:A única coisa que nos salva da burocracia é a sua ineficiência.
            A burocracia tem colocado o papel no lugar do ser humano. Elemento essencial da burocracia é o burocrata. Substituído por espécimes femininos de pitecantropo,  tem sido contratado para atendimento publico nas empresas de celulares, como sucedâneo do burocrata tradicional.
    Loraine K agora papel está salva pelo  seu senso de humor.



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