Naquela manhã gelada de abril de 2016, Loraine K foi
avisada que já não mais existia. Saiu de casa com o objetivo de avisar a empresa de televisão acabo que não
precisaria fazer a visita agendada porque o problema havia sido resolvido pelo
neto. Simples caso de um cabo desligado.
Caminhando pela rua envolvida pelo cortante vento polar,
Loraine K pensou que seria tarefa fácil. A empresa era próxima do local onde
fora fazer massagem. Em dois minutos, depois de dar o recado, poderia voltar
para casa e para o aconchego do ar-condicionado. Mal sabia que seu mundo logo seria
virado pelo avesso.
Na agência da TV por assinatura ela apanhou a ficha e aguardou
20 minutos na fila. Finalmente conseguiu chegar à atendente, que a recebeu com
a simpatia e a compleição de um gorila. ”Qual é seu problema?”, perguntou. Loraine
K respondeu: “Nenhum. Só quero cancelar a visita do técnico à minha casa”. ”Passe-me
os documentos!”, gritou. Loraine K disse calmamente: “Eu não trouxe os documentos,
pois só vim avisar do cancelamento da visita”. Informou seu endereço, CPF e de
contrato, Segundo a atendente, tais dados eram insuficientes. Ela deveria ter
em mãos os documentos. Para concluir, falou com autoridade: “A senhora ainda
não sabe? Quem não tem documentos não existe.” Sem os documentos que comprovassem
a sua existência, Loraine K ficou sabendo que havia sido substituída por papéis.
Ela própria deixara de existir.
Tentou ainda inutilmente explicar para a troglodita que
nada devia e nem queria comprar nada; só avisar que não precisavam passar em
sua casa, pois nada havia para consertar. Depois muito insistir, Loraine K
conseguiu que a atendente acessasse o sistema com o número de CPF. Levaram
outros vinte minutos para resolver o grave impasse. Perguntou “Está tudo certo?” A atendente
respondeu: ”Longe disso! Estou só conferindo seus dados.” Meia hora depois,
Loraine K sai de lá extenuada, menos pela hora perdida que pela lógica do
sistema para a qual o “cogito” de Descartes: “Penso logo existo” inexiste. O
pensamento se metamorfoseou em: “Registro logo existe.”.
Já não basta existir. Agora é preciso documentar a
existência.Agora ser é ser papel. Loraine
K viveu mais uma parábola kafkiana. Como diz um sábio anônimo da Internet: “Burocracia: A Arte de converter o fácil para o difícil através do
inútil”. Ou, nas palavras de Eugene McCarthy: “A única coisa que nos salva da
burocracia é a sua ineficiência. “
A burocracia tem
colocado o papel no lugar do ser humano. Elemento essencial da burocracia é o
burocrata. Substituído por espécimes femininos de pitecantropo, tem sido contratado para atendimento publico
nas empresas de celulares, como sucedâneo do burocrata tradicional.
Loraine K agora papel está salva pelo seu senso de humor.
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