Quando eu era pequena
tinha medo-pânico de acordar mortinha no céu. Como o meu céu infantil era um
misto de Catedral com o Clube Juvenil, eu queria morrer bem penteada, com uma
bela camisola branca e lençóis brancos sem dobras, para chegar em grande estilo
ao encontro dos anjos-de-luz. Todavia, o principal eram as tranças das quais
não poderiam escapar nenhum fio. Meu sonho era acordar no salão de festas do
Juvenil!
Na minha velha casa, de
alto pé-direito, vagavam fantasmas ectoplásticos, com caras imensas e amarelas.
Então era a hora dos gritos: tremia de medo e me escondia em baixo dos lençóis.
Na adolescência comecei
a pensar mais na vida do que na morte. Então me serviam os poetas: Gonçalves
Dias e sua Canção do Tamoio foi a
fórmula que encontrei para ter coragem na solidão do internato. Como forma de
encarar a vida em antítese a morte “A vida é luta renhida, viver é lutar, se o
duro combate os fracos abate, os fortes, os bravos, só pode exaltar.” Passou a
ser minha oração noturna e meu paraíso à selva.
Mas o tempo passou e eu
cresci. Era o tempo de Huxley. Uma de suas obras mais intrigantes foi Até os cisnes morrem. O livro é uma fábula
sobre um homem rico que queria viver para sempre. Mas, como viver cansa, com o
tempo, até a morte se tornou leve. O título do livro foi baseado em verso do ambíguo
Tennyson, que mesmo esquecido merece ser lido. Afinal, em tempos de tecnologia,
a morte ainda é a questão. A doença faz pensar na finitude. Pensar é bom. Trabalhar
eu garanto não é tudo. Deve-se pensar se está na hora de começar a cantar como
o cisne agonizante de Tennyson.
Se na vida se amealham
saberes, na morte deve sobrar apenas algo de sabedoria de se desprender dos
bens e dos poderes do mundo. Saber morrer é mais sério do que saber viver. Dai
existem exemplos, sejam o de Gandhi, o de Buda, o de Cristo, enfim, mal comparando
o de Guevara fazendo a sua Revolução.
Há ainda a escolha do
mesmo Huxley, um pouco mais radical do que a de Guevara: a eutanásia. Não
pretendo causar polêmicas. Mas refletir sobre as opções existentes em relação a
um passo pelo qual cada um passará de forma isolada. Pois não há como fugir: trata-se
de uma escolha, entre o quê e como cantar, afinal, até o cisne morrerá, com
certeza.
Loraine Slomp Giron – Historiadora
Twitter: loslomp; Blog: historiadaqui.blogspot.com
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